quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Dois sonetos mais ou menos ornitológicos

Que se emplee el que es discreto
En hacer un buen soneto,
Bien puede ser;
Mas que un menguado no sea
El que en hacer dos se emplee,
No puede ser.

Don Luis de Góngora y Argote


Um jovem Yantl inexperto em aves,
Que um dia quis, rendidas, submeter
Plumas e voz de um pássaro-mulher,
Pediu a um ancião Yantl as chaves

De ornitófilas artes, e os arcanos.
– Alenta-lhe com beijos, disse o velho,
A voltívola alma. E a tal conselho
Juntou ciência de idades e dos anos:

– “Beijos nas asas, sim, mas também pô-los
Em mãos e coração, que mais dilatam
As almas fêmeas do que versos tolos,

E em deixá-los, sobretudo, esmera,
À mulher-pássaro, onde desatam
Os cânticos e os dons da primavera”.



Ave Maria, ave de arribação!
Se tratas de escapar, assim, aos frios
Primeiros do outono de um coração
Antigo, feito ao seu destino, um rio,

Resigno-me ao teu lúcido alvedrio,
Que deixes para trás uma estação
Sombria e gélida, o plúmbeo vazio,
Pelas auroras cálidas de verão!

Guiem-te, lépidas, mulher-hirundina,
As mais gentis e mais suaves correntes,
A enseada azul de águas transparentes.

Tuas claras manhãs, ave peregrina,
Saúdem, cordiais, delfins reverentes:
– “Tenhas um lindo dia, ave-menina!”

(Rib. Preto/1967)
Pode ser que o primeiro texto tenha sido postado neste O&B, mas já faz tempo. A nova postagem é mais pra não perder a oportunidade da epígrafe de Góngora. No mesmo jogo de oportunismo, o blogueiro achou uma jóia barroca do poeta cordobês no magnífico livro “Góngora y el Polifemo”, de Damaso Alonso. Aí, a refinada ourivesaria e a ornitologia mais sutil, embora em brevíssima referência, ao rouxinol, no caso, o primor das imagens, exerceram influxo irresistível para que se impusesse nesta nota. Os versos são de 1609, mas O&B nunca teve conceitos muito claros de atualidade e, no fim das contas, poesia é assim mesmo. Passemos ao rouxinol de Góngora:

“prodígio dulce que corona el viento,
en unas mismas plumas escondido
el músico, la musa, el instrumento.”     

Não sei de quem é a foto da andorinha; a da coruja é do Daniel Esser, que acaba de voltar de Afonso Cláudio, Espírito Santo, ande andou fotografando passarinho:


(NM)