Na Sétima Hora:
A mulher, que é neta e avó de Deus,
Foi gerada pela vontade do homem puro,
O encantador de serpentes,
O que abre todas as portas,
E nasceu só para ser amado
Nuctemeron (Poema Místico das Horas) Tânio
Edições C.L.A. – Clube do Livro Aberto, e, 2001, então bastante ativa, publicou uma tiragem de sete exemplares de “Heptaédricas”, iniciativa dessas que só na ociosidade se sustentam, embora talvez tenha sido uma imposição das próprias notas de leitura e registros mnemônicos, textos fragmentários, que compõem o pequeno volume. Vez por outra, sempre, estavam se assomando à janela da memória para perturbar uma vigília, assombrar uma insônia, essas coisas. O jeito foi publicar, pra ver se sossegavam. Agora é diferente: o “folhetim” é uma tentativa de compartilhá-los com os amigos e leitores de O&B, que a gente espera que funcione.
PRÓLOGO
Número, “conjunto de todos os conjuntos equivalentes a um
conjunto dado”, definição parca para uma relação inefável, metafórico flertar
de estrelas pisca-piscando incansáveis pela noite sem-fim das galáxias;
entidade abstrata sem razão de ser quando não houver mais uma alma humana que a
possa intuir, embora a contingência de corresponder, sempre, a alguma
característica mensurável das coisas! Onde, então, a pluralidade, falange,
legião, contidas num número qualquer, mesmo na mais prosaica unidade, que a
ciência dos matemáticos contempla, a intuição dos poetas perscruta e desvela a
das mulheres e profetas?
Diante do irrespondível, o número sete, representativo dos
conjuntos de sete elementos, desfaz-se em impossibilidade: quantidade,
grandeza, intensidade, mistérios, enigmas, sortilégios, bruxedos? Não. Talvez
uma improvável jangada flutuando no oceano intangível do tempo e da memória,
atada a um fio de Ariadne que permitisse a qualquer Teseu retornar de
labirintos das mais pretéritas eternidades, romper a finíssima lâmina do
presente e alçar-se para além da Via Láctea onde, presumivelmente, abrir-se-ia
o futuro, feito abrem-se as peônias e outras flores impudicas.
Haveria, mas não necessariamente, algo de supersticioso em
capturar seqüências e conjuntos de sete elementos, acomodá-los na lembrança e
remetê-los, com toda a luz que possam carregar, de esferas iluminadas da
consciência para algum recôndito sombrio ou mesmo para a escuridão mais
espessa. Ao fim e ao cabo, tudo não passa de exercício lúdico, ocioso e
gratuito, de apreender e lembrar, viver e lembrar, jogo mnemônico.
Como formas exacerbadas de lirismo, o mágico e o lúdico
podem sustentar apropriações que encareçam possibilidades do número sete, que
teogonias antigas celebraram em Hermes, Chakmol, Exu ou que nome tenham dado a
esse tipo de mensageiro, intermediário entre os homens e os deuses, entre o
mundo e o infra mundo. É o condutor da palavra de um mundo a outro mundo, dos
vivos aos mortos, das trevas subterrâneas às altas fontes de luz, da eternidade
que passou para a que ainda escorrega nas ampulhetas, muito acima e além de
quaisquer determinismos vãos ou mesmo totalmente plenos, tal qual, em seu dia
sétimo, uma lua de Semana Santa.
Chegada a hora de lembrar, seqüências banais, palavras,
expandem-se feito cachos maduros na parra e, um pouco, então, é como naquele
“tempo de colher” que refere o Eclesiastes. A gente colhe uma aqui, outra ali,
uma frase, um verso, ou apenas recupera a nota de leitura exatamente como foi
anotada. A magia, ou o lirismo, emerge em desígnio caprichoso do número 7, que
se desdobra em fragmentos caóticos em busca de compreensão. Ah, o prazer
dionisíaco da vindima!
Materializam-se a conversa possível entre um caboclo e a
mula que cavalga, embora não alcance, não por culpa da besta ou do cavaleiro,
as alturas de um diálogo de Juan Ramón com seu burrinho Platero, um breve
romance de cordel, reminiscências de
bordel, alguma de Isaías, outra do Livro das Revelações... Vêm com o 7, às
vezes, um soneto de Gôngora, um de Camões, versos de Rubén Dario, de Geir
Campos, Murilo Mendes, Stecchetti e, de
repente, eleva-se um espírito a uma discreta contemplação do firmamento
estrelado. (nm)
(I) À sombra
de Sephirot
A Árvore
da Vida esparge eflúvios sobre a Cabala. Recolhem-nos os ramos ávidos de
Iggdrasil, alimento de Hatrun e benfazeja sombra para ases e guerreiros
nórdicos. É quando a Estrela Polar e o Nascente se tocam por uns momentos
breves de devaneio que homens bons não ousam perturbar com indagações tolas nem
perplexidade demais. Com seus sete faróis acesos, a Pequena Ursa indica ao
cauto nauta as frias regiões setentrionais que o vento Norte, ao mesmo tempo em
que fustiga, protege de profanações dos não iniciados.
O Sétimo
Ramo da Grande Árvore, Netzach, a Sétima Sephirat, descobre-se na imagem
inocente de Eva ostentando a espada do arcanjo Haniel, libertadora do instinto
puro e de toda paixão genuína. E anunciadora da Vitória conquistada na batalha.
A Rosa da
Intuição e do Desejo, vale dizer, da percepção direta da verdade, dispensa, por
divina, intermediações onerosas, deixando ao largo as minguadas possibilidades
do só imaginar. Por seu turno, desejo é anseio, necessidade, o que faz a
serpente andar. E o Sétimo Caminho, no final das contas, é o da Inteligência
Oculta.
O número
Sete, cardinal dos conjuntos equivalentes a um conjunto de sete membros,
pertence à ideia da perfeição e, como nenhum outro, carrega a sugestão da
Divindade. Tanto pela ideia em si, quanto pelo perfeito que encarece, Platão o
declara o número bem-amado de Deus, desamparando, porém, de toda possibilidade
de compreensão esse torvelinho da emoção absoluta.
Desde a Rua Antônio de
Albuquerque, entre Levindo Lopes e Sergipe, Savassi, Belô, eleva copa magnífica
gigantesco pau mulato (Calycophyllum spruceanum),
dando a impressão de pretender alcançar prados luminosos da constelação do
Touro, Aldebarã, Aldebarã! Parece ambição demais, mesmo para árvore tão alta,
mas, se ela nem se importa, apenas variando os encantados tons metálicos do
tronco esguio e elegante ao sabor das estações! Lá em cima ostenta o diadema de
puro verdor que a qualifica como potestade vegetal. Suave epifania, sua
presença na Savassi, de alguma forma materializa poderosa entidade protetora da
cidade, como um grande totem: avatar da Árvore do Conhecimento, manifestação
universal da Árvore da Vida? (nm)
(II) Patuá do Caboclo Sete-Flechas
“Vou andando em desamparo, sem canivete ou baralho nem
rosário. Amuleto de fechar ao frio, à chuva e a pontas de flecha, a facas,
balas, a olho gordo etc. o corpo, deixei no colo perfumado de uma moça gentil
que me estendeu os braços lânguidos em noite de morna solidão. Prata baça de
zinabre, madeira escura: era assim o patuá, mas foi-lhe grato aos olhos mansos,
verdosos e, quem sabe, ao seu meigo
coração.
Embora só encarecesse por bravata e picardia as talismânicas
virtudes, já havia tocado recônditos de sombra em sua alma de mulher. Com ares de fingida ausência ela perguntou se não
funcionariam, digamos, contraceptivamente.
Não falei sim nem que não, que é melindrosa a questão e, em
campo assim, precário, juízo de varão é falho. Ia eu lá responder missa em
femininas paróquias! Achasse as certezas próprias por sua própria conta e risco”. (nm)
#####################
(Continua na próxima quinta-feira)