quinta-feira, 21 de abril de 2022

Um brinde do Clube do Livro Aberto a Carol Esser

Chegou a este O&B, direto da Alemanha, mensagem pascal da Carolina Esser que alegrou o coração dos antigos confrades do Clube do Livro Aberto – C.L.A., uma quase-seita de inspiração etílico-literária de alguns jornalistas e outros amigos, todos apreciadores da palavra ociosa, que tinha no Flávio Friche seu mais insigne hierofante. A Carol, aos cinco anos de idade, assumiu, depois de cada seção do clube, a leitura das atas, tão confusas, apenas reclamando de uma ou outra palavra “muito difícil”. Antes já tinha observado: “Esse clube não tem piscina!” Ela foi, de fato e de direito, a secretária do clube que, enquanto existiu, ela chamava de “Cla”. E foram muitos anos, muitas garrafas, muita conversa fiada...

O Cla reunia-se de tempos em tempos, sem qualquer calendário, à base de aviso na véspera, muitas vezes na casa do jornalista Sérgio Esser, pai da Carol, ou do Carlos Pereira, o “presidente”. Muitas vezes, também, as reuniões do Cla aconteceram no Espaço Cultural “No Pasarán”, âmbito totalmente republicano na casa de Ismael Antuña e Denise. Não pensem que as tertúlias do CLA se esvaiam em vinho tinto, cerveja, uma cachacinha aqui outra ali, scotch, sempre havia quem preferisse, e que tais. O Cla nunca desdenhou da face gourmet da boa existência: grandes macarronadas, churrascos riquíssimos, feijoadas, favadas, pescados aviados das mais diferentes e deliciosas maneiras, cores e sabores inesquecíveis. Sandra, Denise, Célia, Rosa... Elas sempre souberam muito dessas coisas.

Bom. Isso é passado. Nossa secretária, depois de tornar-se uma jurista brilhante, casou e mudou, primeiro para Alemanha, depois para a China, Xangai. Numa de suas vindas a BH, o blogueiro perguntou-lhe sobre aquelas escritinhas de casinhas dos chineses... Ela disse, modestamente, que tinha aprovados e juramentados uns seiscentos ideogramas. Demais, Carol! De volta à Alemanha, retomou sua vida acadêmica, sempre no campo do Direito, e de lá enviou a mensagem que este O&B ora publica: 

Caros amigos,

Acaba de chegar às livrarias o livro "Direito, Democracia, Futuro e Risco". Nesse livro, eu realizei a minha primeira tradução do idioma alemão para o português, de um artigo escrito pelo Professor austríaco Stephan Kirste. Esse trabalho marcou o meu retorno às atividades acadêmicas após o nascimento da Victoria (a filhinha dela) e também o meu primeiro trabalho de tradução originalmente em alemão. Essa parceria ainda resultou no convite para que eu migrasse para o programa de doutorado em Direito na Universidade de Salzburg, na Áustria, sob a orientação do próprio professor Kirste.

O livro, em si, é efeito consolidado de discussões travadas no congresso promovido pela Faculdade de Direito Milton Campos, durante o isolamento em razão da pandemia do covid-19. A coletânea é composta por artigos inéditos que lidam com os desafios da contemporaneidade, tematizam o futuro e perspectivam ressignificar conceitos políticos e jurídicos. Ela também conta com escritos de vários membros diretos da rede do Centro de Studi sul Rischio, fundada na Università del Salento, na Itália.

Eis um link que facilita o acesso ao livro:

https://www.editoradplacido.com.br/direito-democracia-futuro-e-risco

Enfim, vou fazer meu brinde daqui e convido-os a brindarem comigo daí do Brasil!

Abs,

Carol Esser

Prost, Carol!  Parabéns pelo livro. Que bom que o melhor do espírito do Cla se mantém em você. Viva a palavra ociosa na descontração dos convivas e, sempre, viva a palavra escrita!

(nm)


segunda-feira, 18 de abril de 2022

Jankélévitch traduzido

Vinte e nove diálogos entre o filósofo Vladimir Jankélévitch e sua discípula Béatrice Berlowitz, um livro, “Em algum lugar do inacabado”. Vigoroso estudo introdutório de Clovis Salgado Gontijo, que o traduziu para o Português, oferece claves essenciais para que, mesmo um leitor não iniciado no universo jankélévictchiano, possa aventurar-se prazerosamente por seus meandros sutis.

Clovis enriquece a edição com uma profusão de notas pertinentes e esclarecedoras, oferecendo referências que iluminam pontos de sombra que poderiam obscurecer uma leitura cuja atmosfera, por mais brilhante que seja, não é nem poderia ser apolínea. Qualquer abordagem de temas como o tempo e a morte, o tempo da morte, estabelece-se com muito mais critério no ambiente noturno. É claro que Jankélévitch leva tudo como muito brilho e, para isso, não lhe falta gênio, mas é sempre o brilho da noite, cintilares de estrelas, cometas fugazes, precários, como o inefável que ele perseguiu por toda a obra, talvez por toda a sua vida.

Clovis oferece ao leitor lusófono as palavras e o pensamento de Jenkélévitch com elegância e clareza, assim a certeza da morte nossa, de cada um, fora de nosso alcance, porém, o “como”, o “onde” e o “quando”, tudo sujeito à ação do tempo, cuja marcha inexorável podemos intuir, sem, objetivamente, apreendê-lo. A Física reduz o tempo a mera função do espaço e da velocidade, variáveis pra lá de discutíveis, tentativa de compreensão que, em nada, satisfaz os anseios do filósofo. Este se aproxima mais da verdade através de percepções e iluminações que lhe proporcionam a Música, “que se forma de eventos que se sucedem”...

Pois é. Música é nave etérea que, de repente, arrebata e eleva a esferas altíssimas. É o inefável, que em momentos de despojada entrega, um homem puro de coração às vezes chega a tangenciar, à maneira dos santos budistas ou daqueles anacoretas do cristianismo primitivo. Tampouco Jankélévitch abdica da poesia. Na abordagem do dilema da borboleta ao redor da chama, a alegoria é primorosa: conhece-la de fora ignorando seu calor ou consumir-se nela, “ser sem saber ou saber sem ser”.

Na memória do blogueiro emergem reminiscências de antigas leituras daquelas “Dores do Mundo”, de Arthur Schoppenhauer, como a remissão ao   precioso “Silogismo” do poeta catalão Joaquin Bartrina (1850 – 1880):  

Si al ser feliz creo serlo,
    sufro en mi dichoso estado,
    porque me hace desgraciado
    sólo el miedo de perderlo,
    y si estoy bien sin saberlo,
    pues no lo sé, no lo estoy.
    Así, mañana como hoy,
    ser feliz nunca podré,
    pues si lo soy, no lo sé…,
    si lo sé…, ya no lo soy.

Aí, o que temos é a verve amarga, outra literatura, outra metafísica. (nm)

Outro momento feliz da edição portuguesa de “Em algum lugar do inacabado” é a capa, que reproduz "Estreas", litografia de Vassily Kandinsky, de 1938. Como expressão da noite misteriosa e vaga, é imagem perfeita. (nm)