quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Paráfrases






No livro Estas muitas Minas, Angela Leite de Souza, entre muitas surpresas, oferece a paráfrase delicada e sutil:

Se eu me chamasse
Raimundo, o mundo
seria meu eco?




Só pelo prazer de repetir a mais conhecida e repetida estância do “Poema de Sete Faces”, de Carlos Drummond de Andrade:

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Amado Nervo e Alfredo Le Pera

El dia que me quieras,  gala da poesia de Amado Nervo, o grande poeta mexicano, chegou a todos os quadrantes da Terra e, provavelmente, ter-se-á expandido até os confins da Via Láctea na paráfrase de Alfredo Le Pera, que Carlos Gardel musicou e cantou como só ele poderia ter cantado. A “frase” de Amado Nervo:

El día que me quieras tendrá más luz que junio;
la noche que me quieras será de plenilunio,
con notas de Beethoven vibrando en cada rayo
sus inefables cosas,
y habrá juntas más rosas
que en todo el mes de mayo. 
Las fuentes cristalinas
irán por las laderas
saltando cristalinas
el día que me quieras. 
 (...)
Cogidas de la mano cual rubias hermanitas,
luciendo golas cándidas, irán las margaritas
por montes y praderas,
delante de tus pasos, el día que me quieras...
Y si deshojas una, te dirá su inocente
postrer pétalo blanco: ¡Apasionadamente!

Al reventar el alba del día que me quieras,
tendrán todos los tréboles cuatro hojas agoreras,
y en el estanque, nido de gérmenes ignotos,
florecerán las místicas corolas de los lotos.
El día que me quieras será cada celaje
ala maravillosa; cada arrebol, miraje
de "Las Mil y una Noches"; cada brisa un cantar,
cada árbol una lira, cada monte un altar.
El día que me quieras, para nosotros dos
cabrá en un solo beso la beatitud de Dios.

A paráfrase de Le Pera que, em 1935, Gardel transformou na canção que emociona até hoje e que, em seu momento, foi tema de filme homônimo:

Acaricia mi ensueño
el suave murmullo
de tu suspirar.
Cómo ríe la vida
si tus ojos negros
me quieren mirar.
Y si es mío el amparo
de tu risa leve
que es como un cantar,
ella aquieta mi herida,
todo todo se olvida.
El día que me quieras, la rosa que engalana
se vestirá de fiesta, con su mejor color.
Y al viento las campanas, dirán que ya eres mía,
y locas las fontanas, se contarán su amor.
(...)
La noche que me quieras, desde el azul del cielo,
las estrellas celosas, nos mirarán pasar.
Y un rayo misterioso, hará nido en tu pelo.
Luciérnaga curiosa que verás, que eres mi consuelo.

Interativa

A “frase”, uns versos de Antonio Machado, é assim: Españolito que vienes al mundo // te guarde Diós. // Una de las dos Españas // ha de helarte el corazón.

A paráfrase pode ser a gosto de cada leitor deste blogue ocioso, pela  simples substituição do nome do país, com o respectivo patronímico. Por exemplo: Liechstensteinianinho que vens ao mundo, / que Deus te guarde. // Um dos dois Liechtensteins há de gelar-te o coração. (NM)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

“iQuevachaché!” e outros fragmentos ociosos

Palavra é ente animado, vivo, sujeito a peripécias da existência, levando, cada uma, sua fração da alma humana. Por muitos modos e processos, as palavras modificam-se, no tempo e no espaço, se desgastam, exaurem-se, mas também se revigoram e renascem transformadas e cheias de vida. Aqui, por apócope, suprime-se um fonema ou uma sílaba inteira no final de uma palavra; ali, a supressão ocorre no interior dela. Síncopes, aféreses, reduções, abreviações e, sempre, o toque mágico dos poetas.

A locução “iQuevachaché!” titulo de composição de Enrique Santos Discépolo, 1928, é voz infantil, corresponde a  “iQue vas a hacer!” Com alguma liberdade, a gente pode traduzir por “O que é que tu vais fazer, meu irmão!” Os “gorilas” argentinos não gostaram e, com o mau humor habitual, proibiram de tocá-la no rádio: “...iQuevachaché! Hoy ya murió el critério... // Vale Jesús lo mismo que el ladrón.“ É antecipação de “Cambalache”, em que, mais tarde, quando ninguém nem suspeitava que Trumpp, um dia, ia virar presidente, o poeta tangueiro proclamou “Que el mundo fué y será una porqueria” etc. Enquanto ventos bons não dissiparam da Pampa aquelas brumas negras, a canção também ficou proibida.

Tratamento respeitoso, até solene, primordialmente, o pronome “vossa mercê” reduziu-se, ”, pelo tempo e pelo uso,  a “vossemecê”, “vosmecê”, “você”, “ocê” e a mais não sei quantas formas, até chegar a “cê”, que parece seu último estágio, fração essencial que oferece novos tons,  ritmos novos.  Ainda mal acordado, o sujeito surpreendeu a mulher escapando-se para o frio da madrugada, provavelmente, pelo modo como a interpelou, em algum lugar ignoto, da ignota Minas Gerais:  – Oncevai, Maúde?
Estupefata, como se saísse de um transe sonambúlico, a mesma economia de palavras: – Dió, do céu! Oncotô?
Maria de Lourdes e Diocleciano voltaram para a cama. Do outro lado da rua, Chico da Maria Ritinha, depois de esperar por mais de uma hora, – Que fazer? – também foi dormir.

Tropo onomatopaico, “gago” está consignado no Aurélio como o que gagueja; balbo ou aquele que gagueja; quiquiqui, linguinha, borboró, tartamudo, inhenho, tartamelo, tártaro, tato, tátaro, que ou quem fala trocando o c por t; tatibitate, tatamba.  Se a criança ainda não domina a fala, o tatibitatear tem sua graça, que sobrevive em uma ou outra forma na linguagem coloquial, mais pela cumplicidade da mãe, que propende a aceitar quaisquer distorções perpetradas pelos filhos. Não só as encampa como, ela própria, inova e inventa para facilitar-lhes a compreensão. E eis que ritmos suaves e benignos da linguagem materna ganham os léxicos do mundo – Que bom! Pra começar, aquelas reduções carinhosas dos nomes, os hipocorísticos, Lola por Dolores, Teca por Teresa, Bia por Beatriz, e Zezé, Tião, Chico e Chiquita, de repente bacana lá da Martinica.

Talvez pelo fato de namorar o “Cebolinha”, cujos cabelos espetados lembravam o das tirinhas do jornal e que, como o Hortelino Troca-Letras, dos quadrinhos do Pernalonga, não se avia bem com os “rr” , Zélia, uma alegre japonesinha, divertia-se em sua  república, na Rua General Osório, em Ribeirão Preto, perguntando a algum distraído:  “– Utêté um fuinho?”. Ela mesma respondia, achando a maior graça: “– É um bulatinho na palede.” 

Armado num pequeno descampado, o circo agitava cidadezinha encravada em primordial bacia vulcânica. De suas bordas erigidas em montanha, a gente podia olhá-la lá embaixo como a um pequeno presépio e, visto assim, o circo, modesto, era só mais um detalhe, mas tinha palhaço, ou melhor, dois palhaços, um grande e, de contraponto, um pequeno, na vida real uma menina, filha do palhaço grande. Descaracterizado, às vezes entrava no picadeiro o dono do circo, para servir-lhes de “escada” em uma ou outra gague. Era tudo muito ingênuo e alegre. Numa sessão vespertina, o palhaço grande iniciou um diálogo com o pequeno:

– Teteté?
– Tatetitô.
– Titô?
– Tatetô.

Entrou o “escada”, esbravejando: – Que conversa é essa? A gente pode saber o que é que vocês estão dizendo?
Os palhaços levaram os polegares à altura das orelhas e agitaram as palmas abertas das mãos. – Você não entende nada mesmo, seu burro.

Um garoto saiu da plateia em seu socorro, cara de tédio de quem estivesse explicando a maior obviedade do mundo:

– O quê é que você quer?
– Papel de cor.
– Que cor?
– Qualquer cor.

E, fora do script, disparou: – Entendeu? Seu burro!!!

As crianças riram muito. Os adultos, também.

Agora, o seguinte: irritava tanto um cara, a cara infantilizada da namorada insistindo a toda hora em chamá-lo de “momô!” que, de saco cheio, ele foi embora e nunca mais voltou. –  “Momô” é a puta que pariu! foi só o que teria dito.

Às vezes o tatibitate vem com cores da senzala, como na velha canção, e é puro encanto:

“Eu vou fazer um casaquinho
De tricô pro meu amor.
– Di que cô qué, ai Ioiô?
– Di caqué cô.”

O rádio já não traz, às 19h, depois dos primeiros acordes de “O Guarany”, na voz inconfundível, a conclamação: “Trabalhadores do Brasillll!”.
– `peraí, mas isso não tá "inserido no contexto".

 – Pode ser que não, mas também pode ser que sim, meu irmão, porque saúva não acabou não, e o Brasil, o Brasil, ah, o Brasil... “iQuevachaché!”  (NM)

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Inverno em BH: céu de topázio claro, favas contadas no Mercado Central



O Mercado Central é perfumado e colorido, vivo e, com estilo, oferece em BH o mais alegre, o mais saboroso, deste Planeta misterioso chamado Minas Gerais. Em escala superlativa, é como a famosa “venda” que o calango de Miltinho Edilberto proclama, lá do Jequitinhonha: “Na venda do seu Lidirico // tem de tudo e cada coisa que tem eu explico”. Flagrante, aí, ainda assim legítima, a licença do cantador, porque explicar é desvendar o nome e a imagem que lhe corresponde, o seu espelho e metáfora, revelação e afirmação da existência.

Tem canário, periquito, gaiolas de fino lavor, tem alpiste, tem painço, tenebrium para as ninhadas, tem porquinho da Índia e coelho,  e filhote de cachorro; tem pombas, faisões, galos tristes, marrecos de muitas cores, patos fanhos, e gansos de aflito grasnar. Peixinhos coloridos para o aquário do menino; para a moqueca, limpos, repartidos em postas, robalos, surubis, badejos, crustáceos frescos de excelente parecer, e as ervas requeridas, salsa, cebolinha, loro, coentro, cominho, e alho, cebola, pimenta comari e malagueta, tomate madurinho, e açafrão, só pra dar o tom.

Flores? De todas as cores, vermelhas para a namorada, rosas rosa para a companheira da vida inteira, pra mulher solteira e pra mulher casada, flores para o casamento e para o aniversário do casamento, para o batizado e também pra outros que tais, mas, aí, melhor é bater na madeira com o nódulo do indicador e nem pensar. Primor de frutas no Mercado: laranja, manga, abacaxi descascado, uvas, maçãs, peras, jacas, araticuns, frutas do conde, amoras e carambolas, e pequis do mais rico olor, basta um pra perfumar a estação, mexericas, lima e limão, morango, melancia e melão, pêssego, caqui, lichia, e muita fruta esquisita. É claro que tem abacate, tem banana e mamão, e “papaia”, que seria a mesma coisa, não em Cuba, onde remete a outros sabores.

No grande Mercado, meu irmão, tem as ervas, cascas, raízes e sementes da nossa panaceia vegetal: “pra rins, próstata e coração”, as folhas da cavalinha; azeitona do mato, unha de vaca, cipó caboclo, embaúba branca e chapéu de couro para depuração e diurese, buchinha contra asma e sífilis; tem raiz de graviola, tem jalapa; pra curar quebranto e rebater mau olhado, rosmaninho (ou alecrim) e semente de sicupira pra quebrantar o azougue da cachaça. Se não te avéns com os viagras, “pra natureza, é um colosso”.

Tem peneira e tem penico, e tem fieira e pião, bolinhas de gude, papagaio com carretilha, pronto pra empinar, tem frigideira, tem bule, e panela de ferro, de pedra, de barro, querosene para a lamparina, camisinha para o lampião; tem balaio e cesto de tudo que é jeito, rede pra dormir e pra namorar, e moinho, almofariz, pilão, farinha de milho e de mandioca, pro tropeiro, pra farofa e pra paçoca, pra tutu e pra tapioca, e tem caniço e apito, nisso igual à venda do seu Lidirico. Tem carne de sol, tem anzol, sanfona, e viola-também-tem. Pagode, é. Tem pagode! E tem moda pra gente escutar: “Nasci lá na cidade e me casei na Serra // com a Mariana, moça lá de fora;// Eu estranhei os carinhos dela // e disse adeus Mariana, que eu já vou embora...” 

E artigos de preceito para o despacho ao santo de cada um, defumadores, velas, incensos, estatuinhas para o peji, “Eparrei, Iansã!”, “Axé opô ajonjá, Xangô!”, “Laroiê, Exu!”, “Saravá, Oxalá, meu pai!” “Saravá a todos os Orixás!... E imagens de qualquer santo de tua devoção, tem São Pedro, Santo Expedito, São Francisco e São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, tem Santa Rita e São João, São José, São Sebastião...  Agora o seguinte: Santo Onofre, São Xisto e São Calisto, se tem lá, eu nunca vi.

Queijos, tem pra todo gosto, curado, de meia cura e fresco, do Serro, da Serra do Salitre e da Canastra, e doce de leite, goiabada, requeijão moreno de Montes Claros, doce de figo e,  feito em reclame de circo, tem marmelada? Tem, sim senhor. E tem frutas em calda e cristalizadas, abacaxi, figo, cidra e laranja, limão... Também, biscoitinhos delicados, brevidades, quebra-quebras, sequilhos e amanteigados , uhmm! quitandas de Minas, sa`com´é.

E aqueles bifes acebolados, que a gente come em pé, encostada nos balcões das bitacas, hem? Tem de alcatra e de fígado e, pra quem goste, jiló frito, chouriço, bife de pernil, de lombo, e cachaça de Salinas, que também pode ser de Januária ou de outras águas, sem desdouro, sempre a melhor guia pra cerveja tão gelada!

E tem batatinha, daquela que, “quando nasce, se esparrama pelo chão”, pra chegar “palha” com o “strogonoff” ou, também, muito “sotée”; e batata doce e baroa, cenoura e beterraba, além de outros tubérculos e raízes que enriquecem o cozido: mandioca, araruta, gengibre, inhame, nabo, cará...  As verduras: pés de alface, dentes de alho, cabeças de cebola, corações de alcachofra, catacreses de muito sabor; e couve, couve  flor, repolho, rabanete, brócolis, mostarda, almeirão, agrião, espinafre, ora pro nobis, munheca de samambaia, hortelã, palmito, chicória, taioba, aipo, berinjela, pepino, abóbora e moranga, jiló, maxixe, quiabo, tomate, salsa e cebolinha de cheiro, sálvia, alfavaca, manjericão. E tem cravo e canela, tudo quanto é tipo de pimenta e muito mais.

O inverno chegou devagar, mas o tempo, enfim, esfriou, o que fica bem consignado no céu de topázio claro das manhãs de BH, e também no Mercado, é claro. Nas bancas de leguminosas de prestígio, feijão, ervilha, grão-de-bico, hás de encontrar nesta época, também umas favas muito ricas . Depois é ires às que vendem pertences de feijoada, linguiças, chouriços, paios e outros embutidos, e carne de porco defumada, costelinhas, lombo... E já podes improvisar em nossas latitudes tropicais uma “fabada” que não será asturiana, mas digna poderá ser. A receita? Aí vai:

Les fabes (*)

Tres cuartos de kilogramo
De alubias de La Granja
O, simplemente, de fabes;
Unas morcillas de cerdo,
Chorizos, tres, pero buenos,
               
Medio kilo de lacón,
Tocino, un ciento de gramos;
Y la cebolla, que alegra
La mesa del pobre, y cualquiera,
También se va a la cazuela,
Pero de visita, no más,
Como el perejil: las dos
Se irán a media cocción,
Dejándoles los inciensos
De sus almas vegetales,
Como un regalo a les fabes.

Un chorro de aceite virgen
Les buscará los olores
Y los sabores más hondos.
Ajitos harán más ricas
Les fabes  y lo demás;
Y el misterioso azafrán
Tostado ligeramente
Les dará colores mágicos
De viejo oro cantábrico.

Mas la simple añadidura
De ingredientes de precepto
No consigue una fabada:
Hay liturgias hieráticas
Y protocolos formales,
Conjuros muy ancestrales,
Para que sea realizable.

Refiérense a lo del fuego,
Al hervor y al remojar;
Disponen sobre criterios
Y el orden de sazonar;
Sobre el tiempo en la cazuela,
Y el modo de sacudirla,
Y a los pequeños rituales
Que propician a les fabes
Y ablándanles el espíritu.

Quizás la repetición
De unas antiguas palabras
Que se hubieran pronunciado
Bajo la sombra de un tejo
O un añoso carbayón,
Viejas palabras insólitas,
Para oídos iniciados.
Y si los procedimientos
Se van de conformidad
Con el misal de les fabes,
El de ponerles a la mesa
Es un glorioso momento.

(*) Para um “luso-hablante” é sempre complicado encarar o Idioma de Cervantes, mesmo num texto elementar e banal como esta receita de favada, escrita num contexto que só se salva pelo conteúdo afetivo, o do “Romance de estereotipos asturianos com fabes”, de 1999, publicado em “Ibero-Americanidades – Açucenas para Sevilha” – Edições C.L.A. – 2008. A solução, então, foi recorrer à minha amiga Maria Luisa Laviana, historiadora e escritora. Ela livrou o texto original de vícios de sintaxe, solecismos, lusitanismos, e falsos cognatos, o que permitiu compartilhá-lo sem constrangimentos. Ela é andaluza de Sevilha, mas, de pais e avós asturianos, pôde outorgar com plena autoridade foros de genuínos e esses “fabes”. Obrigado. 

NM

sábado, 25 de junho de 2016

É bom lembrar Carlos Alberto e Jader

Chegou a O&B mensagem do Carlinhos Barros Santos que alegrou o coração do blogueiro, pelas lembranças boas que trouxe. Pra quem não sabe, ele é filho do saudoso Prof. Carlos Alberto de Barros Santos, que enriqueceu o blogue com generosa e qualificada colaboração, enquanto esteve entre nós. Carlinhos diz que não conhecia a palavra “mentideiro”, palavra velha e um tanto fora de uso, que aparece na última postagem. Disse que gostou demais dela, antes de observar que “um grande mentideiro deve ter sido o Bar do Primo, nos áureos tempos, quando frequentado pelo meu pai e sua turma de amigos”. Claro, e o do Tip Top. Todos apreciávamos o chope e a conversa.
                                   
E acrescenta: “Tenho sempre lido "O&B” e fico sempre com a impressão, e já lhe disse isso de outra feita, que sinto estar conversando com o papai quando leio as suas crônicas, tamanha a similaridade nos assuntos e no modo da escrita.” Em suas incursões pelo blogue, Carlinhos deixou-se encantar por Geir Campos: “O poema Alba: Não faz mal que amanheça devagar é estupendo! E depois andei pesquisando mais textos dele, gostei muito.”

O Geir continua sendo um momento de esplendor da Poesia em Língua Portuguesa, mas, aí, o inevitável: Carlinhos revela que, em outros passeios por O&B voltou a ler a crônica sobre o Cuartito Azul, o tango de Mariano Mores, recém falecido, e Mário Battistella: “O papai adorava essa canção, apesar de ser uma das suas piores interpretações musicais! Mas sempre insistia, e voltava nela nas tertúlias dominicais. Quando juntava com o Jader de Oliveira, piorava bastante, era doído para os ouvintes. E ainda vinha, na sequência, Corrientes, três, cuatro, ocho...”

Carlinhos Barros Santos acrescentou à sua mensagem duas fotos de seu pai , Carlos Alberto,  com o também saudoso jornalista Jader de Oliveira, que vivia em Londres, numa de suas vindas de final de ano a BH para refazer o espírito: tarde de feijoada, muita conversa e tangos.

Ele deixou um p.s.: Vou lhe enviar, na semana que vem, um poema que achei noutro dia, chamado "Canção da Morte na Tarde". Creio que não o conhece.

 E não conheço mesmo, Carlinhos, muito obrigado.

NM

Hoje posto o poema, que acabou de chegar:

CANÇÃO DA MORTE NA TARDE

Carlos Alberto de Barros Santos

Cai lentamente o sol crepuscular,
E lentamente vão as nuvens se afastando
Num prenúncio de chegada do luar.
O sol crestou impiedosamente a paisagem,
Mas veio o crepúsculo e, como u’a benção,
Pousou serenamente sobre a paragem,
O tapete de relva das montanhas,
Os grotões da serra.
E estendeu-se em sombra e calma
Sobre a geometria das ruas e dos prédios.
A claridade já não arde em brasa,
Um vento gentil envolve a minha carne.
A tarde morre em ouro e sangue.

Bilac rogou para não morrer assim,
Num dia assim! De um sol assim!
Também a mim,
No fundo oceano
Da minha mortalidade,
Fere como açoite a claridade.
Por isso mesmo vos peço,
Ó vos que me amparais:
Não me deixeis partir,
Eu vos imploro!
Não deixeis esvair o que sou agora,
Ou o que resta do que fui outrora,
Ó, não me deixeis findar,
Antes que desça a noite,
Antes que a noite venha
Para me levar.


Novembro de 2.000

domingo, 12 de junho de 2016

A desconversa fiada do Grande Irmão

“Mentideiro” é palavra quase extinta, de tão pouco que circula, mas está consignada em verbete do Aurélio como lugar onde se inventam e propalam boatos. Mas, é também assembleia informal e, como as assembleias, em geral, muito bom para a conversa fiada. A tv, como antes dela o rádio, há muito percebeu as possibilidades do mentideiro e, com muita desenvoltura, delas se apropria, adaptadas aos próprios  interesses. Junta quatro, cinco ou mais pessoas numa discussão e opera milagres: muitos telespectadores assumem a conversa como se, de fato, tivessem participação nela. Em temas como política e futebol, entre outros que não requerem abordagem precisa e a opinião dispensa fundamentação coerente, dependendo mais da autoridade de quem opina, consegue criar a ilusão do grande mentideiro universal, multilateral, virtualmente aberto a todos.

A cibernética oferece a hipótese da interatividade perfeita, mas dez, vinte ou mesmo cem mensagens selecionadas e editadas não podem sustentá-la nem constituir amostragem relevante dos “amáveis telespectadores”. Mas funciona, sobretudo em programas de entrevistas em que um ou mais entrevistadores arguem autoridades e celebridades, ou naqueles debates que envolvem muitas pessoas ao mesmo tempo, jornalistas e gente de outras áreas, donas-de-casa, psicólogos, com muita gente falando alternadamente em conversas que teriam algo do mentideiro convencional, mas submetido a regras e limites que o constringem e descaracterizam, espoliam-no de sua vitalidade. E tem todo aquele bom-mocismo, irrque!

Bem-comportada, direcionada, sempre chega onde deve chegar. Mesmo quando a conversa da tv parece caótica, desencontrada, está atrelada a temas definidos a priori e a algum objetivo, a um roteiro que torna improvável o surgimento de um enfoque diferente. Faltam-lhe as contribuições descompromissadas que engendram, constroem e enriquecem as histórias.

Numa avenida das avenidas do Brasil, um café congrega aficionados de futebol, quase todos maiores de sessenta, que discutem campeonatos, jogos, times, contam histórias, fazem-se provocações, apostam e, sobretudo, divertem-se com a conversa... A assembleia não é dentro do café, mas no passeio, aberta à participação de quem quiser. Se um juiz de futebol não marca o pênalti flagrante, ali não há contemporizações: – Que caradura, hem! Juiz sem-vergonha, ladrão! 

Em contraponto, na TV, a desconversa fiada: “o juiz não achou que foi falta, por isso não marcou”; “o juiz é um homem de bem”; “o juiz é um homem honrado” – Como Brutus? – ou “o juiz teve um `apagão´ e não viu o pênalti”... Mas discute-se em tom solene se não seria o mesmo “árbitro” portador de alguma disfunção cerebral, uma arritmia, epilepsia ou outra coisa que o desqualificasse para juiz. E não falta retórica que, na maioria dos casos, só faria sentido para uma liga que, de repente, viesse a precisar de um “apagãozinho” estratégico: “não se pode prescindir de um grande juiz apenas por uma falha. Afinal, todo juiz erra, não é mesmo?” Aí, alguém repete como uma senha alguma história velha, de algum campeonato velho, e todos mudam alegremente de assunto.

O grande mentideiro universal pode ser uma exigência do processo de massificação em escala planetária, mas ainda não prevaleceu. O mentideiro de verdade(!!!) sobrevive em muitos lugares, múltiplo, diversificado, vivo, humano, mas, sobretudo, no bar (*), no botequim ou onde quer que um pouco de embriaguez, ou mesmo um porre, assegure fulcro e fluidez à conversa fiada sem predispor ninguém a ceder nada no domínio de sua vontade nem a deixar que sua opinião seja puxada para lá e para cá por uma cordinha, feito cachorrinho pequinês.

Cerveja e outros fermentados, e algum destilado de mais espírito, favorecem a pluralidade, a diversidade, a diferença, enfim a dialética da vida, contra as ambições mais perversas do Grande Irmão de apropriar-se dos canais de expressão e da cultura e impor a palavra incontrastável – sem indagações, sem contestações – monopólio de mentes e corações. Para denunciar armas de destruição em massa, para legitimar um campeonato roubado, um “impeachment”, uma guerra, o que seja, e para condenar o inimigo público eterno: Goldstein, Hussein? Deus me livre!

(*) Tânio, meu irmão de muitas etilidades, que não ligava pra desportos, mas gostava de chope, de uma cachacinha... dessas de macio descer: “Na animação do bar, até conversa de futebol tem sabor.”

(NM)

domingo, 5 de junho de 2016

O EX.mo. senador Incitatus e outras cavalgaduras

Romanos

Gaius Caesar Germanicus, o Calígula (31 de agosto, AD 12 - 24 de janeiro, AD 41), imperou em Roma entre 37 e 41, quando foi assassinado pela guarda pretoriana, aos 29 anos. Filho mais novo de Germânico e Agripina, era bisneto de César Augusto e sobrinho-neto de Tibério, excelente linhagem, pois. Perseguiu, prendeu e torturou amigos e inimigos, fez cometer milhares de assassinatos, mas reprocham-lhe, sobretudo, haver nomeado senador o seu cavalo Incitatus. De modo nenhum isso  faz justiça ao animal que, ainda hoje, não haveria de fazer má figura em parlamentos de pequenas e até de enormes repúblicas.

Incitatus, como os de sua ordem eqüidea, jamais mentiu, algo que o desqualificava no senado romano e também desqualificaria nos senados atuais. No mais, “calígulas” mínimos tiranizam pequenos e grandes impérios por toda parte,  graças à natural dificuldade do rebanho humano em encarar o próprio destino e  tomar decisões que lhe seriam próprias e intransferíveis. Um pouco de esperteza, outro tanto de audácia, alguma sorte, e temo-los encarapitados no poder, mandando e desmandando – parece que desmandar é ainda melhor que mandar, mas, ao fim e ao cabo, conta mais a virtude do cavalo.

Persas

Heródoto relata que uma inscrição ao pé de uma estátua de Dario, o Grande,  proclamava que ele ascendera ao trono da Pérsia “pela virtude de seu cavalo”. Na base da educação, nos tempos de Dario: “Um persa precisa saber montar a cavalo, atirar flechas com arco e dizer sempre a verdade.” Fora a questão das flechas, a fórmula ainda poderia viger com proveito em países grandes da América do Sul, quiça (ou seria cuíca?) do mundo inteiro.

Mineiros

– “Veloiz”? Por que você deu esse nome ao cavalo, Serafim?  
– Por quê? Porque ele é ligeiro que só cê vendo.

E, baixinho, para que o interlocutor não ouvisse: – Gente de cidade grande “faiz” cada pergunta esquisita!

Genésio, porém, ouviu, e não conteve o riso. Apenas, desistiu daquela conversa, conformado com o fato de que é nessa prosódia que um castanho brioso e forte do Sudoeste pode entender seu dono. (NM)

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Se as montanhas cantam? Sim, elas cantam.






 iQué bien los nombres ponia
Quien puso Sierra Morena
a esta serrania!
     (Antônio Machado)


Canastra, Mãe das Águas (riosvivos.org.br)
Cáucaso, acorrentado num rochedo o destino de Prometeu, Ararat, porto e guarida da grande Arca; corte e conselho de deuses muito antigos, o Himalaia; passagem difícil para os elefantes de Aníbal, os Alpes; bijou ao pé do Mont Blanc, Chamonix exibe suas neves, no nome, o ritmo de redondilha. E os Andes, de Tupac Amaru, do lago Titicaca e do Urubamba, Olantaitambo, Machu Picchu, Huayná Picchu? Cordilheira, também, de alpacas e vicunhas, e do condor, sim senhor! Eleva-se na paisagem deslumbrante a “Sentinela de Pedra”, com suas torres brancas e o nome que merece o respeito dos homens e, na voz do hierofante, alegra mais que um salmo o coração dos deuses: Aconcágua!
Sempre a sonoridade grata, às vezes áspera, branda às vezes, nos nomes que, em toda parte, emergem da Terra ao levantar-se em direção ao céu alto e que se expandem pelo Orbe, música, como se as montanhas cantassem.  Les Pyrenées, os Picos de Europa, a Cordilheira Cantábrica; os Apeninos, montes da Itália e da Lua; e o Olimpo e o Parnaso, os Cárpatos, The Rocky Mountains, Fujiyama, Momotombo, da Nicarágua, feito o Vesúvio e o Etna é montanha que fuma e deita fogo; os Montes Atlas, Lalla-Kadidja e os demais; o Quilimanjaro, o Monte Quênia, mansão dos ancestrais Quicuios, guia e arrimo dos Mau-Mau. A gente pode até pensar se a glória de Roma seria igual sem a magia de suas colinas, impregnado de poesia o nome de cada uma: Palatino, Quirinal, Aventino, Monte Célio, Viminal, Capitólio, Esquilino... 

A Sierra Maestra acolhe aquele “cierbo herido” de Marti, “que busca en el monte amparo” e muitos cubanos pronunciam seu nome de puro encanto com reverências que só à própria mãe são devidas. “Por la Sierra Morena, a dos mexicanos, Cielito lindo, venian bajando, un par de ojitos negros, (...) de contrabando”; a da Espanha, por direito de poeta, pertence a Antonio Machado, assim como umas cantábricas peñas a Gustavo Adolfo Becquer. Desde Puertu de Payares a gente avista lá embaixo, resplandecente, o verdor dos vales de Astúrias, um deslumbramento! Guadarrama, Guadarrama, primeira linha de defesa da Madri republicana, suas pedras altas; Sierra Nevada da sultana Aixa, branca Lua de Granada, e de Garcia Lorca, Lorca, e Manolo Caracol!

Repartidora de grandes águas, para o Sul, o Rio Grande, para o Norte, o Rio de São Francisco que, serpeando Nordeste afora, vai saciando muitas sedes, Serra da Canastra! Umas vaquinhas de longos chifres escalavam feito cabras montesas, já faz tempo, as encostas íngremes, para alcançar moitas nativas de capim gordura. Um litro de leite a cada dia, porém riquíssimo, para nutrir sua cria e ensejar o queijo sem igual; uma vaca de estábulo, vinte litros ou mais, porém, queijo nenhum que leve com dignidade o prestígio de seu nome mágico.

Pão de Açucar, Morro da Viúva, Serra do Curral, da Moeda, Serra do Salitre, Serra do Rola Moça, da Borborema, Serra da Mantiqueira, Morro do Papagaio, Monte Pascoal, Monte Azul, Monte de Vênus, epa! Sem grandes proeminências na Geografia, a Serra da Boa Esperança, “Esperança que encerra (...)”, nos versos de Lamartine, eleva-se até as estrelas. Serra do Mar, Serra Geral, dos Órgãos, Serra do Caparaó, o Pico da Bandeira, mais alto do Brasil antes de umas medidas mais recentes darem primazia ao Pico da Neblina de misteriosas brumas, sem desprestígio algum a velhos cadernos escolares ou à memória da infância. Muito menos à professora, que ensinou, está ensinado e muito bem aprendido.

Pico do Itacolomi, “menino de pedra”, “pedra que balança”, em idioma Tupi, ou “farol dos bandeirantes”, totem da antiga Vila Rica e desta Ouro Preto de agora, infestada de turistas, testemunha silenciosa da execução de Felipe dos Santos e de uma onírica conjura de poetas: lirismos arrebatados, Gonzaga, Alvarenga, “Bárbara bela do Norte, Estrela ...”

Com seus foros de cordilheira, ergue-se o Espinhaço por léguas e léguas de longitude, uma tripa, considerando a latitude ínfima; seria todo em Minas, mas não pôde resistir à tentação de esticar-se até a Bahia. Quem é que pode? Manda muitas águas direto para o Mar, mas reserva outras muitas para o São Francisco, que, portentoso esbarro, rebate rumo a seu destino; encrespa e eriça suas pedras pretas nas alturas de Diamantina, tremendo arrepio telúrico orientado todo para o Norte, pente de Minas, magnífico, que gemas preciosas enfeitam, umas grandes, muitas pequenas, xibius.

(NM)

segunda-feira, 21 de março de 2016

Duas Marias de Sevilha

Maria Luisa tem o privilégio de viver e trabalhar na gloriosa Sevilha, privilégio doqual ela tem plena consciência, mesmo porque inclui passear pelo casco histórico, à sombra da Jiralda e da grande catedral, e desfrutar um luminoso entardecer “a orillas del Guadalquivir”. No último fim de semana, ela estava em Portugal quando a surpreendeu num muro de Serpa, Alentejo, uns versos de Mário Berião, encantadores e, incontinenti, capturou-os com sua câmera, mandou para o blogueiro.  Ei-los:

Maria de la Torre  também é de Sevilha,  e vem de lá o pungente libelo em favor dos refugiados das guerras do Oriente e de África, de todas as guerras, curto e despojado,  seco, no melhor padrão “Antonio Machado”. O&B replica o texto primoroso, e a efígie do Poeta,  que o ilustra, postados  em seu blogue na rede eletrônica:

Indolência


Cada vez que veo, escucho o leo algo relacionado con las atrocidades de los nazis pienso en cómo fue posible que tanta gente los apoyara y creyera que tenían razón, que había que hacer las cosas así, y que pasara tanto tiempo hasta que se puso fin a todo eso. Nunca lo he comprendido, desde pequeña pensaba “¿pero qué tenían esa gente en la cabeza?, ¿pero no veían lo que estaban haciendo a otros seres humanos?”. Ahora, como adulta, lo comprendo. Ahora veo barcos atestados de personas cruzando hacia mi orilla en plena noche de invierno, niños que duermen en el barro y madres que paren en soledad en campos de refugiados. Padres desesperados con ropa mojada y sin comida pero aún con fuerzas para caminar kilómetros con sus hijos a cuestas. Personas que cruzan ríos levantando a sus hijos para que no se mojen tanto. Abuelos en sillas de ruedas con la mirada perdida, pensando en qué habrán hecho para merecer esto. Y es que nadie merece esto, pero lo permitimos.

Me atormenta la idea de que un día mis hijos me pregunten “mamá, ¿por qué pasó todo eso?, ¿por qué no hicisteis nada para impedirlo?, ¿pero no veíais que era inhumano?”. Y no tendré respuesta, tendré que bajar la cabeza y decir que sí lo veíamos, pero que éramos unos malditos acomodados que poníamos nuestra indignación en las redes sociales, colaborábamos como podíamos con alguna ONG, firmábamos una petición en Change y nos lamentábamos de no poder hacer nada más. Tendré que admitir que estábamos totalmente controlados por los poderes políticos y económicos y que toda esa gente nos metía en la cabeza (como buenas SS) el convencimiento de que tomaban todas estas medidas por el bien de todos. Es imposible aceptar a todos, da igual que en sus países haya guerra o que mueran de hambre, aquí no caben, que se acaba el pastel. Están velando por nuestro futuro, y por el de nuestros hijos, no seamos ingratos hombre… Pero a mí se me caerá la cara de vergüenza cuando mis hijos vean cómo salían miles de personas a las calles a celebrar la victoria de un equipo de fútbol y cómo había cuatro gatos en una convocatoria para rechazar acuerdos que se pasan por el forro los Derechos Humanos (500 gatos en Sevilla, para ser exactos). Tendré que decir a mis hijos que la indolencia se acomodó en nuestros sofás mientras veíamos las noticias. Y ellos me reprocharán que fuimos la generación del “no a la guerra” y la del 15-M, que cómo no fuimos capaces de parar esto. Y no sabré qué decir. Supongo que solo me quedará decir “lo siento”.

Pero no, no puede ser, eso no puede ocurrir. “Hoy es siempre todavía” y somos mayoría los que nos revolvemos en nuestros cómodos sofás al ver a esos políticos hablando de cupos, cuando vemos cómo Donald Trump alza el vuelo cual águila rapaz, y nos castigamos por no saber qué hacer, aunque en realidad todos sabemos cómo aportar un granito de arena que multiplicado por millones haría montañas. Hay que tomarse en serio las elecciones, sobre todo las europeas que siempre han sido de chiste y en realidad es ahí donde se maneja todo el cotarro. Y lo más importante, por encima de cualquier otra cosa, tenemos que ser más generosos, nosotros que por suerte, y solo suerte, hemos nacido en este lado del río, tenemos que dejar de pensar en nuestras economías, en nuestra sociedad del bienestar, en nuestro, nuestro, nuestro… Porque este mundo es de todos.

“Hoy es siempre todavía”, el gran Antonio Machado era capaz de decirlo todo en pocas palabras, pero otro grande contemporáneo, Ismael Serrano, continuó ese poema de un verso así: "Hoy es siempre todavía, toda la vida es ahora. Y ahora, es el momento de cumplir las promesas que nos hicimos. Porque ayer no lo hicimos, porque mañana es tarde. Ahora”.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Bar do Chico, Rua Sergipe com Timbiras

Gente interessada em filmes, em fazer filmes, roteiros, dirigir, essas coisas, quando se enturma não tem outro assunto, o que é aborrecido, mas também divertido, mesmo para quem tenha entendido, de cara, que não ia virar cineasta de jeito nenhum, sonho universal naqueles primeiros anos 70 entre os alunos da escola de cinema da Universidade Católica, em BH.  Os mais aptos insistiam, mas fora um curta metragem ou outro, um Super 8, pouco realizaram que merecesse registro. Tudo muito difícil, frustrante.

Manter-se na perspectiva de fã, reconhecer a própria falta de jeito, de gana e meios para realizar um filme de verdade tinha suas vantagens. Sem maiores pretensões, o sujeito podia contentar-se em ver nas telas dos cinemas do circuito comercial e nos cine clubes as estrelas de sempre, Marlene Dietrich, Greta Garbo, Ingrid Bergman, Dorothy Lamour, Maria Montez, Maria Felix e, claro, as estrelas do momento.  Pouco importava a conversa interminável dos cinéfilos sobre filmes, diretores, atores, cinegrafistas, roteiristas, continuistas, Cinecittà, neo realismo, Vittorio de Sica, Rosselini, Mussolini, - Epa, esse não!  - Mastroiani, Lucchino Visconti, Bertolucci, Federico Fellini, Pasolini, Nouvelle Vague, Goddard, Agnès Varda, Nelson Pereira dos Santos, vá lá, Limite, Humberto Mauro, Deus e o Diabo, Glauber Rocha, Jeanne Moreau, Belmondo, Anie Girardot, Brigitte Bardot, Roger Vadim, Jane Fonda, Barbarella, tão bonita!

Era assim nos corredores da Faculdade de Filosofia, onde funcionava a escola de cinema, nas salas de aula, no laboratório, nas pequenas e grandes salas de exibição e nos botequins da cidade onde, enturmados, buscavam cerveja gelada e conversa fiada em intermináveis discussões sobre o que rolava nos cinemas. O Bar do Chico, na Rua Sergipe com Timbiras, era parada obrigatória no ir e vir para a escola, na Avenida Brasil, já chegando à Praça da Liberdade.  Muito gelo na cerveja que servia, do que ninguém reclamava; moelas de galinha vinham num molho temperadíssimo que, sobretudo em noites mais frias, alegrava o mais descoroçoado coração. Chico era apenas o garçom, mas tão amável e eficiente, acabou virando o dono moral do estabelecimento.


Numa noite de grande libação, discussão acalorada sobre os pequenos e grande entraves que sufocavam, desde a produção à exibição, a realização de filmes no Brasil. Desinteressado, um sujeito insistia na ideia de armar uma rede, dessas de dormir, nos sinos da Catedral da Boa Viagem, bem em frente, para que todos tivessem “ciência e conhecimento” de que, quando fosse o caso, ele estava namorando.  A namorada não dissimulou o tédio nem saiu do tema ao encerrar o papo furado: – Ô, meu chapa! Deixa de ser exibido!
(NM)