quarta-feira, 24 de abril de 2024

Asas de caravelas, brancas asas de Portugal

 (XV)

De corda e pau é o berimbau.

O mar azul é de água e sal.

As armas e os barões assinalados // Que, da Ocidental praia lusitana... vão abrindo iluminadas rotas na vastidão salobra para quem queira fruir da aventura incomparável dos homens a vela: Bartolomeu Dias, Diogo Cão, Albuquerque, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, Pedro Álvares Cabral, e daquele Dom Henrique, Infante, que, sem nunca ter partido, chegou antes. Herdeiro de orientais arcanos, em portulanos obscuros, de ânsias, delírios, sonhos, e das chaves do Oceano, cujas portas, ao futuro, uma a uma foi abrindo, enquanto ia sonhando os seus sonhos de menino. Depois de contemplar, quedo, a vastidão das estrelas, achou que era pequeno o mar – uma tina de madeira – um sonho, então, de caravelas, tirou do baú da infância e, nos Sete Mares, a instância, foi pô-las a navegar. Bojador, Adamastor, Malaca, Calecut, Cipango, Curaçao, Macau, Timor, Bahia de Todos os Santos... Ó mar amargo de Pessoa, ó doce mar de Dorival!

As suas velas de sonho deram asas a Portugal, para que voasse, voasse muito, a todos os muito longe. Mas, o Infante chegou primeiro, chegou antes.


Todos os mares

As estrelas da Grande Ursa, em número de sete, traem abismo e vertigem que o Escorpião, com seus sete luzeiros, sobreleva contra transparências suaves de um outubro cada vez mais longínquo. Sete Mares de Fernão de Magalhães, águas imprecisas do ardiloso Odisseu, de Simbad, o Marinheiro, e daquele Sandokan que, da Sumatra aos mares da China, conduzia a mais feroz abordagem por rotas delirantes de Emílio Salgari, e a mais leal. Águas do capitão Ahab, Cetáceo Império de Moby Dick, ou do próprio Herman Melville, não sei! Certezas que só podem ser encontradas nos primeiros livros mostram-nas enfarruscadas, tintas às vezes do rubro que esguicha direto das fontes de armas brancas, exultando heroísmos que não poderiam fluir senão na geografia vaga da infância.

A alegria de descobrir desconcertantes vastidões torna verossímeis impossíveis batalhas no esplendor do mar. E histórias de tesouros que piratas enterraram em misteriosas ilhas de Robert Louis Stevenson, referências luminosas como as geladas torres do Himalaia, ou as do branco Aconcágua  recortadas contra esplendente azul, tão gratas quanto o eco da voz materna contando histórias, de Flor Encarnada, da Moura Torta, do Pequeno Polegar...  sempre com intuito de acalanto. (nm)

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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Roma, colinas e reis

(XIV)

S
ete as colinas encantadas, Palatino, Quirinal, Aventino, Monte Célio, Viminal, Capitólio e Esquilino, e sete os reis que fundaram a cidade e seu império, Rômulo, Numa Pompílio, Tulo Hostílio, Anco Márcio, Sérvio Túlio, os dois Tarqüinios, Prisco, um, pela ordem, o outro, Soberbo. Coincidência? Talvez, ou capricho de nume antigo, sete ondulações telúricas sobre as quais, soberanamente, desde a dourada era de Saturno reinaram reis em número de sete, como em conjunção de astros dispostos em heptâmetros mágicos: Quem os terá composto, se Ovídio, e o Quinto Horácio Flaco, e Marcial, Lucrécio, Propércio, Lucano, Virgílio Maro... fazem parte da estância?
  

Passear por Roma é muito bom

As Sete Colinas de Roma”, 1957. O roteiro do filme parece ter saído das pranchetas de uma agência de turismo e, sem maiores preâmbulos, põe a gente a passear entre monumentos e paisagens romanos. Tem Mário Lanza com todo o seu prestígio de tenor num clima de romance com Marisa Allasio. O dueto à beira da fonte com Luisa di Meo, então uma garotinha, até hoje emociona. Canção de Renato Ascel: 

Che arrivi, t'imbevi
De Fori e de scavi,
Poi tutto d'un colpo
Te trovi Fontana de
Trevi tutta pe' te!

Arrivederci, Roma...
Good bye...
Au revoir...

Si ritrova a pranzo a
Squarciarelli
Fettuccine e vino dei
Castelli come ai tempi
Belli che Pinelli immortalò!

Outros filmes, americanos e italianos, haviam antecipado a fórmula. Assim, “A Princesa e o Plebeu” (Roman Holliday) de 1953, em que a pé, de carro ou de lambreta, o público vai atrás de Gregory Peck e Audrey Hepburn. O “Candelabro Italiano”, na década de 60, Troy Donahue e Suzane Pleshette, seguiu a toada, tem até lambreta. Porém trouxe Al di lá, no vozeirão impostado de Emilio Periccoli. Em todos, postais e mais postais, no que Roma é incomparável: Basílica de São Pedro, Piettà, Capela Sistina, a sombra do papa Júlio II, a aura de Michelangelo; San Pietro in Vinculi e o “Moisés” que o artista esculpiu, com aqueles misteriosos cornos e tudo; Castelo de Santo Angelo, o mercado dei Campo de` Fiori e, claro, o Coliseu, o Forum Romano, o Arco de Tito, o Templo de Vênus, a Basílica de Maxêncio, o Templo de Vesta...  

Sem Fossas Ardeatinas, que o horror da Grande Guerra estava presente demais, mas, sempre, as Termas de Caracala, o Palatino, e o Campidoglio, com vista direta para o Trastevere e, claro, para o próprio Tibre, Isola Tiberina, inclusa, mais a brancura do mármore no monumento a Vitorio Emanuele II, lá no alto; Piazza Navona, Piazza di Spagna, as escadarias de Trinità dei Monti, a Via dei Condotti, quanta grife, meu deus do céu, os preços, nos últimos degraus! Rente às escadarias, o Museu Keats-Shelley, que guarda memórias dos dois grandes poetas românticos no endereço em que buscaram refúgio, em vão, contra a tísica, no clima ameno da Itália.

A evocação de Roma traz muita referência, umas de puro afeto, outras nem tanto: Malaparte, Malatesta, Palmiro Togliatti, Don Camilo, Pepone, Vittorio de Sica, bicicletas, Bernardo Bertolucci, Rita Pavoni, datemi un martelo // Che cosa ne vuoi fare? // Lo voglio dare in testa, sim! E Fellini, Oito e Meio e Amarcord, La Dolce Vita (À meia-noite, com Anita Ekberg dentro, é quando mais bonita é a Fontana de Trevi), Modugno, Cos`è che trema sul tuo visino. // È pioggia o pianto, Dimmi cos` è, // Ciao ciao bambina // Non ti voltare, non posso dirti rimani ancor.// Vorrei trovare parole nuove, ma piove, piove...

“Cidade Aberta” é a Roma de Roberto Rosselini e de Ana Magnani, dela, também, a “Mamma Roma” de Pasolini, que recria na cena urbana, em tomadas emocionantes, sugestões de afrescos de Giotto, Caravaggio, Tintoretto... A Cidade comporta esse tipo de capricho, deixando sublimar com naturalidade séculos e séculos de história e arte, em projeções luminosas nas telas dos cinemas do mundo inteiro. Esses filmes dão a impressão de não buscarem revelar seus mistérios e segredos, talvez para não compartilhar com não iniciados, só deixar rolar:  inverno, as sombras da guerra presentes na noite espessa, dissimulando o indecifrável. (nm)

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quarta-feira, 3 de abril de 2024

Do Livro das Revelações



Em "O Sétimo Selo", 

o cavaleiro cruzado

de Bergman

(Max Von Sydow)

e a Morte

(Bengt Ekerot),

que joga com as pretas 

(XIII)

Sete espíritos, sete castiçais de ouro, entre os quais, voz de muitas águas.  Sete estrelas à destra, e as chaves da morte e do inferno (1): Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da Árvore da Vida, diz a voz de muitas águas. Um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos, que um Leão, dos filhos de Judá, com sete pontas e sete olhos, os sete espíritos de Deus, é digno de abrir.

Aberto o primeiro selo, saiu um cavalo branco, cujo cavaleiro tinha um arco e foi-lhe dada uma coroa; e saiu para vencer; o segundo, e saiu um cavalo vermelho, a cujo gi­nete foi dado tirar a paz da terra; o terceiro, e saiu um cavalo preto, e seu ginete levava uma balança: uma medida de trigo por um dinheiro três de cevada por um dinheiro; o quarto selo, e saiu um cavalo amarelo, e seu cavaleiro tinha por nome Morte, e o inferno o seguia... (Gracia - Los Cuatro Jinetes - Blasco Ibañez) 

Aberto o quinto selo, viu-se sob o altar as almas dos que morreram por amor à Palavra; o sexto, e veio um grande tremor de terra, o sol tornou-se negro e a lua como san­gue. Estrelas caíram sobre a terra. E o céu retirou-se, como um livro que se enrola; reis da terra, e os grandes, ricos e os poderosos diziam às pedras das montanhas: Caí sobre nós, escondei-nos do rosto daquele sobre o trono, porque é vindo o grande dia de sua ira.

Aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu por meia hora. (A percepção desse silêncio opõe o Cavaleiro de Ingmar Bergman à Morte, num jogo e xadrez em que não pode evitar o xeque mate. A questão é: Quando? Enquanto isso, a agônica espera do nada vai adensando, no filme inesquecível, a ideia do Absoluto.)

Sete anjos, diante de Deus, aos quais foram dadas sete trombetas. O primeiro tocou e houve saraiva e fogo com sangue, lançados sobre a terra, queimando sua terça parte; tocou o segundo e foi lançado ao mar algo como um monte ardente, e tornou-se em sangue a terça parte do mar.

O terceiro anjo tocou e caiu do céu uma grande estrela ar­dente sobre a terça parte dos rios e fontes. E o nome da es­trela era Absinto e terça parte das águas tornou-se absinto; o quarto, e foi ferida a terça parte do sol, da lua e das estrelas, para que sua terça parte escurecesse, e a terça parte do dia.

O quinto anjo tocou a trombeta e uma estrela do céu caiu na terra; e foi-lhe dada a chave do poço do abismo. Gafanhotos como escorpiões fustigaram a terra por cinco meses. E ti­nham sobre si o anjo do abismo, cujo nome em hebraico era Abadom, e em grego Apoliom.

O soar da sexta trombeta soltou quatro anjos que esta­vam presos junto ao rio Eufrates, para que matassem um terço dos homens; ouvi as vozes dos sete trovões, mas uma voz mandou: Sela o que os sete trovões falaram, e não escreva. Mas nos dias da voz do sétimo anjo, quando tocar a sua trombeta, se cumprirá o segredo de Deus.

A voz disse: Toma o livro na mão do anjo, come-o e ele fará amargo o teu ventre, mas na tua boca será doce como mel. E viu-se outro sinal no céu, um grande dragão vermelho que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre suas cabe­ças, sete diademas. Do mar subiu uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de blasfêmia.

E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder. E foi-lhe permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los. Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta; porque é o número de um homem; e o seu número é seiscentos e sessenta e seis.

E o anjo vindimou a foice as uvas da vinha da terra, e lançou-as no lagar da ira de Deus. Aos sete anjos foram dadas sete taças cheias da ira de Deus. Uma grande voz dizia: ide e derramai sobre a terra as sete taças.

Eu te direi o mistério da besta de sete cabeças e dez chifres que traz a mulher...  As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada, (nm)

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