domingo, 29 de abril de 2018

O encontro (*)


(*) Do livro O frágil lenho da ternura, do Edinho (Edson José de Senne), confraria do Varal, Padaria Americana, Ribeirão Preto, e outras tertúlias. A ilustração é de Waldomiro Sant`Anna.

A moça convidou o namorado
para prosear e beber cerveja
em um bar, ao luar.

Eu nunca soube se o bar seria este,
nunca soube se a lua seria aquela
e se o namorado seria eu.

Mas continuo esperando
Com a resignação dos caracóis marinhos.

Eu careço, às vezes, de conjecturas.

domingo, 22 de abril de 2018

BH, BH, que bonita, Paris é aqui mesmo!


É bom andar de turista, flanar, entregar-se ao peripatético da vida e da existência à sombra do arvoredo que se apruma em desordem de muitas cores nas ruas ensolaradas de BH, todos os tons de verde, toda sorte de policromia na alma vegetal da cidade sempre florida. Nesta quadra, o violeta das quaresmeiras prevalece na paisagem e ajuda a filtrar a luminosidade deslumbrante de nossos abris. É tudo muito trivial, banal, e um sujeito distraído mal percebe, porque está tudo ali o tempo todo, como se não pudesse ser de outro jeito, é assim mesmo, como pode o peixe se dar conta de que a água é molhada!

Pres`tenção, cara! Senão você não vê, ao passar pela Rua dos Inconfidentes, entre Alagoas e  Pernambuco, o assédio insólito de um pé de mamão, provavelmente fêmea, a um poste da rede elétrica. Com muita elegância, a árvore ergue suas grandes folhas espalmadas, até alcançar a extremidade do poste que, ao sabor da brisa, afaga com suavidade, o que é raro numa espécie que não é de levantar tão alto suas copas. Se há ternura nisso? Quem sabe! O coração de concreto do poste, porém, parece não se deixar tocar, enquanto vai cumprindo, impávido, seu destino de segurar cabos e relés lá em cima.


Na Rua Paraíba, entre Inconfidentes e Rua Santa Rita, Frei José de Santa Rita Durão, um dos muitos poetas da nomenclatura de nossas ruas, não a “advogada das causas impossíveis”,  a presença incidental de uma réplica das mais singelas da Torre Eiffel no passeio, de repente,  espevita a memória para suscitar analogias ternas, insólitas alegorias, correspondências essenciais no mundo caótico e incoerente. Num livro de Francês dos tempos de ginásio a referência primordial num desenho a bico de pena da torre famosa que, com muita economia de traços, ilustrava um poema de Paul Souchon. Não dava pra reconhecer, então, anacrônico e, avant la lettre, politicamente correto lirismo do poeta, em cujos versos, lá pelos anos 40, 50, ainda cantavam muitos rouxinóis, como se jamais tivessem existido Rimbaud e Lautreamont, e toda a agitação surrealista e dadá não tivesse sido mais que mero devaneio.

Não importa. Um único fragmento não esquecido do poema de Paul Souchon pode aflorar diante da “Torre Eiffel” da Rua Paraíba, na Savassi, com toda candura e sinceridade: Chaque fois, Paris, ta beauté, m`a séparé de ma tristesse!

Veio, então, a paráfrase inevitável: Ah, Belo Horizonte! A brisa leviana e fresca dessas manhãs de abril, em tua luminosidade incomparável, sempre alegra meu coração. (nm)

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Amigos, voos e sonhos em Asas de Bolero


Meu fraternal amigo Lélio postou em sua página na rede eletrônica umas considerações que não poderiam ser mais generosas sobre ASAS DE BOLERO, o livro que publiquei em dezembro, sobre conversas e peripécias de tempos juvenis. Em nenhum momento ele presume de crítico, apenas deixa o breve texto fluir afetuosamente. Isenção não há, porque amigos são assim mesmo, mas inflou o ego do autor e lhe alegrou demais o coração. (nm)
Ei-lo, devidamente pirateado,  para compartilhar com os leitores deste O&B:
“Asas remetem a sonhos e voos, como os de Ícaro e os de infância, a viagens a mundos nunca dantes visitados ou mesmo a épocas e terras dolorosa ou alegremente vividas. É o que nos vem de cara ao acompanhar a saga de alguns jovens de um tempo romântico no qual alimentavam sonhos em um botequim, trocavam pinturas e letras em varais à sombra de imensas árvores, cambiando juras, propostas e propósitos para transformar com radicalidade um futuro que, rapidamente, chegou e mais depressa ainda passou.
Falo do romance de estudantes universitários loucamente entretidos na vontade de agarrar o mundo com as pernas, atrevidos intelectualmente e bebendo nas melhores fontes das artes plásticas, da música e da literatura. O que, também, lhes importava era beber todas e comer muitas, fumar de tudo e dançar colado, beijar na boca e abraçar causas como se fossem coisas, dançar bolero como se fossem óperas, escrever libretos e realizar saraus, escutar caetanos, xicos e betânias, gilbertos, agustins e vanzolins, heriveltos, violetas e dolores... Conheciam a verdadeira história do campônio e sua amada, discutiam pintura de Vermeer a  Van Gogh e a Picasso, de Jean Genet a Bosch...
 A revolução de época era a da Nicarágua e Antônio, o que dançava lindamente bolero e voava nas asas de sua amada Eulália, o que menos arrotava palavras de ordem, foi lutar contra Somoza ao lado dos sandinistas e ajudou a conquistar León e Matagalpa. (E Manágua, por supuesto.)
Tudo acontecia ali, na Praça XV de Ribeirão Preto, à sombra de centenárias figueiras, no bar da Padaria Americana. A narrativa de Nilseu, meu colega de jornalismo, do INDI e da vida comove e nos poetisa com erudição à la limite e recuerdos ao som de um bandoneon...  “Asas de Bolero”, (ed. Código/2017) faz-nos voar e compreender a importância dos Amigos.
Cito Cícero, filósofo e orador de Roma: Omne suum tempus amicorum temporum transmittere - É importante dedicar boa parte do nosso tempo aos Amigos...”
Lélio Fabiano dos Santos