sábado, 25 de junho de 2016

É bom lembrar Carlos Alberto e Jader

Chegou a O&B mensagem do Carlinhos Barros Santos que alegrou o coração do blogueiro, pelas lembranças boas que trouxe. Pra quem não sabe, ele é filho do saudoso Prof. Carlos Alberto de Barros Santos, que enriqueceu o blogue com generosa e qualificada colaboração, enquanto esteve entre nós. Carlinhos diz que não conhecia a palavra “mentideiro”, palavra velha e um tanto fora de uso, que aparece na última postagem. Disse que gostou demais dela, antes de observar que “um grande mentideiro deve ter sido o Bar do Primo, nos áureos tempos, quando frequentado pelo meu pai e sua turma de amigos”. Claro, e o do Tip Top. Todos apreciávamos o chope e a conversa.
                                   
E acrescenta: “Tenho sempre lido "O&B” e fico sempre com a impressão, e já lhe disse isso de outra feita, que sinto estar conversando com o papai quando leio as suas crônicas, tamanha a similaridade nos assuntos e no modo da escrita.” Em suas incursões pelo blogue, Carlinhos deixou-se encantar por Geir Campos: “O poema Alba: Não faz mal que amanheça devagar é estupendo! E depois andei pesquisando mais textos dele, gostei muito.”

O Geir continua sendo um momento de esplendor da Poesia em Língua Portuguesa, mas, aí, o inevitável: Carlinhos revela que, em outros passeios por O&B voltou a ler a crônica sobre o Cuartito Azul, o tango de Mariano Mores, recém falecido, e Mário Battistella: “O papai adorava essa canção, apesar de ser uma das suas piores interpretações musicais! Mas sempre insistia, e voltava nela nas tertúlias dominicais. Quando juntava com o Jader de Oliveira, piorava bastante, era doído para os ouvintes. E ainda vinha, na sequência, Corrientes, três, cuatro, ocho...”

Carlinhos Barros Santos acrescentou à sua mensagem duas fotos de seu pai , Carlos Alberto,  com o também saudoso jornalista Jader de Oliveira, que vivia em Londres, numa de suas vindas de final de ano a BH para refazer o espírito: tarde de feijoada, muita conversa e tangos.

Ele deixou um p.s.: Vou lhe enviar, na semana que vem, um poema que achei noutro dia, chamado "Canção da Morte na Tarde". Creio que não o conhece.

 E não conheço mesmo, Carlinhos, muito obrigado.

NM

Hoje posto o poema, que acabou de chegar:

CANÇÃO DA MORTE NA TARDE

Carlos Alberto de Barros Santos

Cai lentamente o sol crepuscular,
E lentamente vão as nuvens se afastando
Num prenúncio de chegada do luar.
O sol crestou impiedosamente a paisagem,
Mas veio o crepúsculo e, como u’a benção,
Pousou serenamente sobre a paragem,
O tapete de relva das montanhas,
Os grotões da serra.
E estendeu-se em sombra e calma
Sobre a geometria das ruas e dos prédios.
A claridade já não arde em brasa,
Um vento gentil envolve a minha carne.
A tarde morre em ouro e sangue.

Bilac rogou para não morrer assim,
Num dia assim! De um sol assim!
Também a mim,
No fundo oceano
Da minha mortalidade,
Fere como açoite a claridade.
Por isso mesmo vos peço,
Ó vos que me amparais:
Não me deixeis partir,
Eu vos imploro!
Não deixeis esvair o que sou agora,
Ou o que resta do que fui outrora,
Ó, não me deixeis findar,
Antes que desça a noite,
Antes que a noite venha
Para me levar.


Novembro de 2.000

domingo, 12 de junho de 2016

A desconversa fiada do Grande Irmão

“Mentideiro” é palavra quase extinta, de tão pouco que circula, mas está consignada em verbete do Aurélio como lugar onde se inventam e propalam boatos. Mas, é também assembleia informal e, como as assembleias, em geral, muito bom para a conversa fiada. A tv, como antes dela o rádio, há muito percebeu as possibilidades do mentideiro e, com muita desenvoltura, delas se apropria, adaptadas aos próprios  interesses. Junta quatro, cinco ou mais pessoas numa discussão e opera milagres: muitos telespectadores assumem a conversa como se, de fato, tivessem participação nela. Em temas como política e futebol, entre outros que não requerem abordagem precisa e a opinião dispensa fundamentação coerente, dependendo mais da autoridade de quem opina, consegue criar a ilusão do grande mentideiro universal, multilateral, virtualmente aberto a todos.

A cibernética oferece a hipótese da interatividade perfeita, mas dez, vinte ou mesmo cem mensagens selecionadas e editadas não podem sustentá-la nem constituir amostragem relevante dos “amáveis telespectadores”. Mas funciona, sobretudo em programas de entrevistas em que um ou mais entrevistadores arguem autoridades e celebridades, ou naqueles debates que envolvem muitas pessoas ao mesmo tempo, jornalistas e gente de outras áreas, donas-de-casa, psicólogos, com muita gente falando alternadamente em conversas que teriam algo do mentideiro convencional, mas submetido a regras e limites que o constringem e descaracterizam, espoliam-no de sua vitalidade. E tem todo aquele bom-mocismo, irrque!

Bem-comportada, direcionada, sempre chega onde deve chegar. Mesmo quando a conversa da tv parece caótica, desencontrada, está atrelada a temas definidos a priori e a algum objetivo, a um roteiro que torna improvável o surgimento de um enfoque diferente. Faltam-lhe as contribuições descompromissadas que engendram, constroem e enriquecem as histórias.

Numa avenida das avenidas do Brasil, um café congrega aficionados de futebol, quase todos maiores de sessenta, que discutem campeonatos, jogos, times, contam histórias, fazem-se provocações, apostam e, sobretudo, divertem-se com a conversa... A assembleia não é dentro do café, mas no passeio, aberta à participação de quem quiser. Se um juiz de futebol não marca o pênalti flagrante, ali não há contemporizações: – Que caradura, hem! Juiz sem-vergonha, ladrão! 

Em contraponto, na TV, a desconversa fiada: “o juiz não achou que foi falta, por isso não marcou”; “o juiz é um homem de bem”; “o juiz é um homem honrado” – Como Brutus? – ou “o juiz teve um `apagão´ e não viu o pênalti”... Mas discute-se em tom solene se não seria o mesmo “árbitro” portador de alguma disfunção cerebral, uma arritmia, epilepsia ou outra coisa que o desqualificasse para juiz. E não falta retórica que, na maioria dos casos, só faria sentido para uma liga que, de repente, viesse a precisar de um “apagãozinho” estratégico: “não se pode prescindir de um grande juiz apenas por uma falha. Afinal, todo juiz erra, não é mesmo?” Aí, alguém repete como uma senha alguma história velha, de algum campeonato velho, e todos mudam alegremente de assunto.

O grande mentideiro universal pode ser uma exigência do processo de massificação em escala planetária, mas ainda não prevaleceu. O mentideiro de verdade(!!!) sobrevive em muitos lugares, múltiplo, diversificado, vivo, humano, mas, sobretudo, no bar (*), no botequim ou onde quer que um pouco de embriaguez, ou mesmo um porre, assegure fulcro e fluidez à conversa fiada sem predispor ninguém a ceder nada no domínio de sua vontade nem a deixar que sua opinião seja puxada para lá e para cá por uma cordinha, feito cachorrinho pequinês.

Cerveja e outros fermentados, e algum destilado de mais espírito, favorecem a pluralidade, a diversidade, a diferença, enfim a dialética da vida, contra as ambições mais perversas do Grande Irmão de apropriar-se dos canais de expressão e da cultura e impor a palavra incontrastável – sem indagações, sem contestações – monopólio de mentes e corações. Para denunciar armas de destruição em massa, para legitimar um campeonato roubado, um “impeachment”, uma guerra, o que seja, e para condenar o inimigo público eterno: Goldstein, Hussein? Deus me livre!

(*) Tânio, meu irmão de muitas etilidades, que não ligava pra desportos, mas gostava de chope, de uma cachacinha... dessas de macio descer: “Na animação do bar, até conversa de futebol tem sabor.”

(NM)

domingo, 5 de junho de 2016

O EX.mo. senador Incitatus e outras cavalgaduras

Romanos

Gaius Caesar Germanicus, o Calígula (31 de agosto, AD 12 - 24 de janeiro, AD 41), imperou em Roma entre 37 e 41, quando foi assassinado pela guarda pretoriana, aos 29 anos. Filho mais novo de Germânico e Agripina, era bisneto de César Augusto e sobrinho-neto de Tibério, excelente linhagem, pois. Perseguiu, prendeu e torturou amigos e inimigos, fez cometer milhares de assassinatos, mas reprocham-lhe, sobretudo, haver nomeado senador o seu cavalo Incitatus. De modo nenhum isso  faz justiça ao animal que, ainda hoje, não haveria de fazer má figura em parlamentos de pequenas e até de enormes repúblicas.

Incitatus, como os de sua ordem eqüidea, jamais mentiu, algo que o desqualificava no senado romano e também desqualificaria nos senados atuais. No mais, “calígulas” mínimos tiranizam pequenos e grandes impérios por toda parte,  graças à natural dificuldade do rebanho humano em encarar o próprio destino e  tomar decisões que lhe seriam próprias e intransferíveis. Um pouco de esperteza, outro tanto de audácia, alguma sorte, e temo-los encarapitados no poder, mandando e desmandando – parece que desmandar é ainda melhor que mandar, mas, ao fim e ao cabo, conta mais a virtude do cavalo.

Persas

Heródoto relata que uma inscrição ao pé de uma estátua de Dario, o Grande,  proclamava que ele ascendera ao trono da Pérsia “pela virtude de seu cavalo”. Na base da educação, nos tempos de Dario: “Um persa precisa saber montar a cavalo, atirar flechas com arco e dizer sempre a verdade.” Fora a questão das flechas, a fórmula ainda poderia viger com proveito em países grandes da América do Sul, quiça (ou seria cuíca?) do mundo inteiro.

Mineiros

– “Veloiz”? Por que você deu esse nome ao cavalo, Serafim?  
– Por quê? Porque ele é ligeiro que só cê vendo.

E, baixinho, para que o interlocutor não ouvisse: – Gente de cidade grande “faiz” cada pergunta esquisita!

Genésio, porém, ouviu, e não conteve o riso. Apenas, desistiu daquela conversa, conformado com o fato de que é nessa prosódia que um castanho brioso e forte do Sudoeste pode entender seu dono. (NM)