segunda-feira, 11 de maio de 2015

A força que elas têm

Um fim de semana atípico: sexta-feira assisti ao show de Monica Salmaso (ao lado de Dori Caymmi) interpretando o incomparável Dorival, Maria Bethânia completando 50 anos de carreira e a interpretação de Rosa Antuña com o espetáculo “A mulher que cuspiu a maçã”. Sábado era dia de Maria Bethânia no show “Abraçar e Agradecer” em que comemora os 50 anos de carreira, que começou lá com a música ‘Carcará’... 
(...)
Domingo, dia das mães. Fim de noite e vou lá para o teatro do CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil para assistir a última apresentação de Rosa Antuña com seu espetáculo “A mulher que cuspiu a maçã”. Não, não há muito o que falar. É preciso assistir para se emocionar do princípio ao fim. Quarenta e cinco minutos de adrenalina e comoção. Como pode uma única criatura em cena transformar a vida num ir e vir de ser e não ter e querer e escolher e pedir e desistir e envolver e sensualizar e jogar o resto da maçã para o ar. Assim é o resumo desse espetáculo. Resumo, repito, pois não há como dimensionar cada gesto, cada olhar, cada ‘suspiração’ dessa bailarina, dançarina, atriz, performer chamada Rosa Antuña.

O palco é dela. Assim como Monica abusa dos graves e Bethânia das emoções, Rosa Antuña se transforma numa artista antenada em seu tempo presente passado futuro. Ela não surgiu agora. Ela mostra que ouviu muito, viu tudo e olha com detalhe a evolução de cada uma de nós. Ela respira vida, transforma o riso em choro, as lágrimas em sal da terra. Foi um fim de semana especial. Conheci e reconheci a força de três mulheres que são assim: de carne, osso e alma. Com silêncio e respeito. Com alegria e dor. Com abraço e agradecimento. Com amor e emoção.

Malluh Praxedes (11-5-2015)


Ainda o solo de Rosa Antuña

Depois de assistir a apresentação do espetáculo solo de Rosa Antuña, “A Mulher que Cuspiu a Maçã”, que emocionou o público que compareceu ao teatro do Centro Cultural Banco do Brasil, no último fim de semana, o Prof. José Maria Santos enviou suas impressões em generosa mensagem que O&B faz questão de postar:

Caro amigo Nilseu,

Escrevo-lhe a fim de agradecer-lhe o presente recebido na forma de um convite para assistir ao espetáculo "A Mulher que Cuspiu a Maçã", apresentado por Rosa Antuña. Fiquei mesmerizado do primeiro ao último minuto. Perfeita é o adjetivo para apropriado para sua performance. Ela demonstrou ser uma artista incrível, capaz de executar um solo de uma hora sem deixar de dominar o espaço do palco por um minuto sequer, usando apenas o corpo como expressão de múltiplas emoções e retirando de um número limitadíssimo de objetos simples (uma necessaire, um par de sapatos, uma escova de dente, uma calcinha sexy e um pedaço de tecido) uma quantidade inacreditável de significados e potencialidades.

Esse é um espetáculo que enobrece o termo "modernidade", tão vilipendiado por fraudes sem conta de pseudoartistas que o usam para justificar suas limitações. Rosa Antuña, ao contrário, é visceral, e por isso nos atinge no âmago com sua ironia, com sua paródia iconoclasta, com sua capacidade de dominar o público o tempo todo com seu olhar cortante como aço, como se exercesse domínio sobre cada um dos espectadores individualmente. Julgo um privilégio ter tão perto de nós uma artista tão linda e com um talento tão extraordinário, acostumados que estamos a ver performances desse nível somente em terras estrangeiras. E foi com o coração acelerado pela emoção do espetáculo que somei meus aplausos espontâneos e incontidos aos dos espectadores que, emocionados, com muita justiça, aplaudiram-na de pé!

José Maria

sábado, 9 de maio de 2015

A fonte misteriosa das poetas

Versos de Consuelo Velazquez e de Maria Grever, damas de bolero, de Dolores Duran, dama de samba-canção, e versos de Florbela. Infeliz Florbela, tão doce e tão amável, no destino de tragédia e no tom da poesia, dama de fado.  

Bésame, bésame mucho,
Como si fuera esta noche
La última vez.
(...)
Piensa que tal vez mañana,
Estaré muy lejos,
Muy lejos de aquí.

                                                                         (Consuelo Velazquez)



Te quiero, dijiste
poniendo mis manos
entre tus manitas
de blanco marfil.

Y sentí en mi pecho
un fuerte latido,
después un suspiro
y luego el chasquido
de un beso febril.

Muñequita linda
de cabellos de oro,
 etc.

(Maria Grever)




A primeira e a última estância materializam-se em formas subjuntivas, as intermediárias vêm totalmente apoiadas numa sucessão de gerúndios que, o mais provável, seria descambar para o enfadonho, mas não é assim. O que temos é um lirismo desconcertante, lirismo de Dolores, brilhos, cores, aromas, texturas, as harmonias mais sutis do sentimento apaixonado. Ah! Dolores!


Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver 
Quero a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem 


Hoje, eu quero a paz de criança dormindo
E o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero, a alegria de um barco voltando
Quero a ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje, eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero, a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ai! como esse bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda a ternura que eu quero lhe dar

(Dolores Duran)

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

(Florbela Espanca)


O&B acrescenta, um tanto arbitrariamente, uns versos de Angela, Malluh, Sônia, Adriana, Maria Cecília, Alcea, Rosinha, estas, é bem verdade, amigas do blogueiro. não para estabelecer qualquer tipo de contraponto, mas para vislumbrar a possibilidade, tentadora, de uma fonte de muitas intuições, bruxedos, sabe como é, fonte de muitos mistérios, exclusiva das poetas e comum a todas elas. Um espírito distraído pode até a achar que elas não distinguem o real de virtualidades recorrentes, sem dar-se conta de, apenas, não se preocuparem em distinguir. E, no entanto, em seu espelho de palavras, reflete-se todo o non sense das coisas e da vida!

Onde anda o luar
nesta noite escura dentro
de meu coração?
(Angela Leite em “Lição das Horas” - Editora Miguilim)

Eu saí em minha casa procurando por mim. 
No banheiro eu não estava. 
No quarto, também não. 
Talvez na quinta, num bar qualquer (...)
(Malluh Praxedes)

É no repouso da memória
que amanso minha solidão;
reviro meus recônditos,
faço leituras de mim.
Canalizo energias,
volatilizo espaços
e temporalizo rios.
Pensar é também viver
como o agricultor sedentário (*)
que semeia grãos invisíveis.
(Sônia Galastro)

(*) Referência ao rurícola da "Teoria da Viagem - Poética da Geografia" , de Michel Onfray

meça suas palavras, ele disse
medi e eram do tamanho do mundo
não cabiam mais em mim
atravessaram oceanos
e as veias quentes do corpo
saíram pelos poros em meu suor
e desapareceram
como as tardes mornas de dezembro
(Adriana Godoy - Sem rumo)

Lâmpada

Uma janela aberta,
uma lâmpada pendurada
do lado de fora
– cheia de idéias –
e nós, do lado de dentro
olhamos as idéias penduradas
do lado de fora
– cheias de janelas!
(Rosa Antuña Martins)

Entre a pele na mancha:
Repuxam esteios pelos arrepios
Que iludem espaço
Pelo avesso do senso óbvio.
Quinam-se pescoço e queixo-duplo,
Mas antes de alcançar a preguiça
Para arrancar os tecidos já mortos da mucosa
Pelo abaixo que se esteira em bubuias soltas
Formigam-lhe os tendões anestesiados.
(Maria Cecília Rodrigues Campos - In-tenso)

Às vezes não basta ser.
Às vezes ser não basta.
Às vezes precisa-se ser
duas, dez, dúzias,
para se ser uma só.
(...)
Invista em
Ser isto e aquilo
sem pressa e com estilo.
Calmamente, simplesmente,
integralmente SER.
Mulher.
(Alcéa Romano  - Mulher)

Agora sim, um contraponto, este totalmente arbitrário, de Antônio Machado:

En la mar de la mujer
pocos naufragan de noche,
muchos ao amanecer.

(NM)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Noite inesquecível no CCBB

A estreia de “A mulher que cuspiu a maçã” foi um tremendo “happening”, quarenta e cinco minutos de tirar o fôlego. Rosa Antuña brindou o público que compareceu ao teatro do Centro Cultural do Banco do Brasil, na Praça da Liberdade, em BH, com bom gosto e o melhor de sua técnica refinada. Foram momentos de pura arte, muita arte, inesquecíveis.

O espetáculo será reapresentado hoje (sexta-feira), no sábado e no domingo, sempre às 20 horas. Vale a pena, vale muito a pena, ir ao teatro do CCBB para ver a performance de Rosa Antuña. “A mulher que cuspiu a maçã” é um espetáculo lúcido, brilhante, bonito. Em sua criação e realização, experiência, técnica e sensibilidade, além da genuína vocação de artista de Rosa Antuña. (NM)