domingo, 1 de junho de 2014

“O Vestido”, arte, emoção e liberdade

Blogueiro não é crítico de espetáculos, senão, há muito, teria destilado sua emoção, considerando que a apresentação do solo “O Vestido”, no Teatro Klauss Vianna (Oi Futuro), em BH, aconteceu não neste final de semana, mas no anterior (23, 24 e 25 de maio). Aconteceu? Isso mesmo, porque foi um tremendo happening. Baixada a adrenalina, já pode dizer que Terpsícore e Calíope, assim como Isadora Duncan e Pina Bausch, de algum modo, estavam no palco do Klauss Vianna, invocadas – quem sabe? – pela coreógrafa, bailarina e atriz Rosa Antuña.

E Denise Stoklos? Houvesse comparecido, provavelmente teria aplaudido com o mesmo entusiasmo da plateia em cada uma daquelas três noites, deixando-se levar pela emoção que artes, artes de Rosa Antuña, por supuesto, sublimam e materializam no palco, incorporando ora fragor de muitas águas, ora o suave descair do rocio na hora da Estrela da Manhã.

“O Vestido” é uma alegoria da condição da mulher universal, de todos os lugares, de todas as idades, de todas as épocas, feita de pura emoção. No cerne do “argumento”, a ideia de que o importante é que, uma vez vestido o seu vestido, uma mulher pode voar, voar, nas asas de seus sonhos mais altos de liberdade, acima de quaisquer tiranias e de todas as formas de opressão.

Parece simples, até banal, mas a emoção está na forma de expressar tais banalidades e simplezas na linguagem dos gestos, do movimento, na sintaxe do corpo. A palavra, apanágio sutil do homem, o mais sublime, é meramente incidental no “texto” e no contexto de “O Vestido”. Chega como um balbucio entrecortado ou num idioma estranho, desconhecido. E, no entanto, cada um pode senti-la como se ouvisse na língua de sua infância. São variações de tons e inflexões que explicitam todas as significações necessárias em um discurso impronunciado, mas complexo e arrebatador.

Com gestos, passos e movimentos harmoniosos assimilados no ballet clássico, na dança de salão e na dança contemporânea, Rosa despetala suas delicadas intuições de artista; das bailaoras andaluzas, a dança das mãos, que lhe permite dizer coisas importantes ou triviais, de um jeito sempre bonito, aos homens de nossa terra insólita ou aos deuses que, desatentos, nos assistem desde o céu constelado.

“O Vestido” não é espetáculo que se materialize assim, sem mais, só no plano da arte. Requer comprometimento de iniciado que possa mover-se na dimensão do inefável, aquela em que uma mulher que tenha vestido o seu vestido sobrepõe-se à banalidade da Morte. Um tiro no peito? Não é nada. Na hora de ir-se embora, abertas as asas do espírito, é voar e voar.

(NM)
As fotos são de Duda Las Casas (A) e Marco Aurélio Prates (B)