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não é crítico de espetáculos, senão, há muito, teria destilado sua emoção,
considerando que a apresentação do solo “O Vestido”, no Teatro Klauss Vianna
(Oi Futuro), em BH, aconteceu não neste final de semana, mas no anterior (23,
24 e 25 de maio). Aconteceu? Isso mesmo, porque foi um tremendo happening. Baixada a adrenalina, já pode
dizer que Terpsícore e Calíope, assim como Isadora Duncan e Pina Bausch, de
algum modo, estavam no palco do Klauss Vianna, invocadas – quem sabe? – pela
coreógrafa, bailarina e atriz Rosa Antuña.
E
Denise Stoklos? Houvesse comparecido, provavelmente teria aplaudido com o mesmo
entusiasmo da plateia em cada uma daquelas três noites, deixando-se levar pela
emoção que artes, artes de Rosa Antuña, por
supuesto, sublimam e materializam no palco, incorporando ora fragor de
muitas águas, ora o suave descair do rocio na hora da Estrela da Manhã.
“O
Vestido” é uma alegoria da condição da mulher universal, de todos os lugares, de
todas as idades, de todas as épocas, feita de pura emoção. No cerne do
“argumento”, a ideia de que o importante é que, uma vez vestido o seu vestido,
uma mulher pode voar, voar, nas asas de seus sonhos mais altos de liberdade,
acima de quaisquer tiranias e de todas as formas de opressão.
Parece
simples, até banal, mas a emoção está na forma de expressar tais banalidades e
simplezas na linguagem dos gestos, do movimento, na sintaxe do corpo. A
palavra, apanágio sutil do homem, o mais sublime, é meramente incidental no “texto”
e no contexto de “O Vestido”. Chega como um balbucio entrecortado ou num idioma
estranho, desconhecido. E, no entanto, cada um pode senti-la como se ouvisse na
língua de sua infância. São variações de tons e inflexões que explicitam todas as
significações necessárias em um discurso impronunciado, mas complexo e
arrebatador.
Com
gestos, passos e movimentos harmoniosos assimilados no ballet clássico, na dança
de salão e na dança contemporânea, Rosa despetala suas delicadas intuições de
artista; das bailaoras andaluzas, a dança
das mãos, que lhe permite dizer coisas importantes ou triviais, de um jeito
sempre bonito, aos homens de nossa terra insólita ou aos deuses que,
desatentos, nos assistem desde o céu constelado.
“O Vestido” não é espetáculo que se
materialize assim, sem mais, só no plano da arte. Requer comprometimento de
iniciado que possa mover-se na dimensão do inefável, aquela em que uma mulher que
tenha vestido o seu vestido sobrepõe-se à banalidade da Morte. Um tiro no peito?
Não é nada. Na hora de ir-se embora, abertas as asas do espírito, é voar e
voar.
(NM)
As
fotos são de Duda Las Casas (A) e Marco Aurélio Prates (B)