Depois do solstício de junho, registrado e celebrado no dia
21, agora é oficial: o inverno chegou ao
nosso hemisfério, mas, do ponto de vista das temperaturas, chegou indeciso,
instável, volúvel, leviano, alternando intempestivamente frio e calor no mesmo
dia, na mesma noite, sem preocupar-se em afirmar quaisquer convicções próprias
da estação.
Em BH, não fosse pelas informações de folhinha, da Folhinha
de Mariana, principalmente, a gente nem notaria a presença dele. O&B,
porém, não teria como ignorar sua presença ilustre, não depois da mensagem
generosa e estimulante, sobretudo em tempo de muita preguiça, de Luiz Fernando
Perez, amigo do blogueiro que, sempre de ânimo compassivo, frequenta o blogue.
“Oi Nilseu,
Nas vésperas do
inverno, ainda não tive a satisfação de ler sua inspirada celebração anual para
comemorar a floração dos ipês, na despedida do outono. Na Praça da Liberdade,
já há manifestações florais discretas, mas estou à espera do grande espetáculo
da natureza, que não falha, apesar das agressões humanas. O festival roxo,
rosa, branco e amarelo talvez só esteja aguardando seu empurrão poético. Um
abraço amigo, LFPerez”
Antes de alcançar os ipês, sobretudo os da família “tabebuya
avellanedae”, que, de fato, apenas começam a levar à Praça da Liberdade as
cores do inverno, rosa clarinho e aqueles róseos gentis, quase azulados (ainda
não chegou a hora do ouro baço dos ipês amarelos), a pequena câmera digital distraiu-se
na Praça da Savassi, surpreendida pela florada persistente das quaresmeiras, olhe
que a Páscoa já ficou lá atrás, árvores da família das melastomáceas, dos
gêneros Tibouchina e Rhynchanthera. Calma, gente! Esses nomes empolados são coisa
de cientistas. Elas árvores atendem por “quaresmeiras”, simplesmente, “manacás-da-serra”,
sons que contêm muito de sua poesia vegetal. Ó nobilíssimas entidades que
carregais todos os tons de violeta, tanto rosa, tanto azul, tons que enfeitam
nossas ruas, nossos parques, nossas vidas!
Dois exemplares magníficos estão no umbigo da Savassi, ali onde
a Rua Antônio de Albuquerque desemboca na Praça Diogo Vasconcelos propriamente
dita, o influxo vital de tantas flores sobre a estátua de bronze do escritor
Roberto Drummond, sobre a rua, sobre a praça, sobre a cidade. Lá do alto, até
as estrelas se comprazem em seus tons de ametista, topázio, até algum fulgor de
rubi, que se combinam e realizam nas cores da Paixão.
Na Praça da Liberdade já há florada de paus d`arco, que,
todavia, não chegou unânime nem exuberante demais, como de outras vezes. Talvez
os ipês ainda estejam se refazendo do esplendor ostentado ano passado, mas
também pode ser cansaço pela utilização demente daquele espaço por gente ensandecida
que, mais e mais, em nome de conceitos discutíveis de “revitalização”, saturam
a grande praça de Minas de decibéis, decibéis de caixas de som trazidas
diretamente do meio dos infernos.
Tudo que é vivo se ressente, goram as ninhadas no arvoredo, pássaros
voam pra longe levando seu espanto, pensativas, as árvores tentam resistir. “A
praça é do povo”, mas prevalece uma apropriação do decreto de Castro Alves enviesada,
favorável a pequenos e grandes vandalismos, o das multidões desgovernadas que
chegam com impacto devastador, ou de duas ou três dezenas de pessoas que se
revezam passeando com seus cachorros no círculo gramado, uns oito ou dez metros
de diâmetro, da fonte da ninfa, o que a grama não pode suportar.
No último sábado, uma senhora, indignada em seus mais de
setenta anos, apelava em vão à gentileza urbana do bando de capadócios que nem
notava estar destruindo o gramado e defenderam bravamente seu inalienável direito
de transformar jardim em deserto. E os cachorros, hem? Uma mocinha,
produzidinha, bem falante, prá lá de “fashion”, lembrou com muita autoridade à
mulher que reclamou que “cachorro também é humano”, como proclamou, em seu
tempo, o ministro Magri. Mas a água da fonte está suja, a grama morrendo, a
ninfa, mais uma vez, de braço quebrado. Assim, nem ipê aguenta e, é melhor
mesmo que esconda as galas de sua inflorescência. (NM)