quarta-feira, 24 de junho de 2015

Inverno, floradas,devastação na Praça

Depois do solstício de junho, registrado e celebrado no dia 21, agora é oficial:  o inverno chegou ao nosso hemisfério, mas, do ponto de vista das temperaturas, chegou indeciso, instável, volúvel, leviano, alternando intempestivamente frio e calor no mesmo dia, na mesma noite, sem preocupar-se em afirmar quaisquer convicções próprias da estação.

Em BH, não fosse pelas informações de folhinha, da Folhinha de Mariana, principalmente, a gente nem notaria a presença dele. O&B, porém, não teria como ignorar sua presença ilustre, não depois da mensagem generosa e estimulante, sobretudo em tempo de muita preguiça, de Luiz Fernando Perez, amigo do blogueiro que, sempre de ânimo compassivo, frequenta o blogue.

“Oi Nilseu,

Nas vésperas do inverno, ainda não tive a satisfação de ler sua inspirada celebração anual para comemorar a floração dos ipês, na despedida do outono. Na Praça da Liberdade, já há manifestações florais discretas, mas estou à espera do grande espetáculo da natureza, que não falha, apesar das agressões humanas. O festival roxo, rosa, branco e amarelo talvez só esteja aguardando seu empurrão poético. Um abraço amigo, LFPerez”

Antes de alcançar os ipês, sobretudo os da família “tabebuya avellanedae”, que, de fato, apenas começam a levar à Praça da Liberdade as cores do inverno, rosa clarinho e aqueles róseos gentis, quase azulados (ainda não chegou a hora do ouro baço dos ipês amarelos), a pequena câmera digital distraiu-se na Praça da Savassi, surpreendida pela florada persistente das quaresmeiras, olhe que a Páscoa já ficou lá atrás, árvores da família das melastomáceas, dos gêneros Tibouchina e Rhynchanthera. Calma, gente! Esses nomes empolados são coisa de cientistas. Elas árvores atendem por “quaresmeiras”, simplesmente, “manacás-da-serra”, sons que contêm muito de sua poesia vegetal. Ó nobilíssimas entidades que carregais todos os tons de violeta, tanto rosa, tanto azul, tons que enfeitam nossas ruas, nossos parques, nossas vidas!

Dois exemplares magníficos estão no umbigo da Savassi, ali onde a Rua Antônio de Albuquerque desemboca na Praça Diogo Vasconcelos propriamente dita, o influxo vital de tantas flores sobre a estátua de bronze do escritor Roberto Drummond, sobre a rua, sobre a praça, sobre a cidade. Lá do alto, até as estrelas se comprazem em seus tons de ametista, topázio, até algum fulgor de rubi, que se combinam e realizam nas cores da Paixão.

Na Praça da Liberdade já há florada de paus d`arco, que, todavia, não chegou unânime nem exuberante demais, como de outras vezes. Talvez os ipês ainda estejam se refazendo do esplendor ostentado ano passado, mas também pode ser cansaço pela utilização demente daquele espaço por gente ensandecida que, mais e mais, em nome de conceitos discutíveis de “revitalização”, saturam a grande praça de Minas de decibéis, decibéis de caixas de som trazidas diretamente do meio dos infernos.

Tudo que é vivo se ressente, goram as ninhadas no arvoredo, pássaros voam pra longe levando seu espanto, pensativas, as árvores tentam resistir. “A praça é do povo”, mas prevalece uma apropriação do decreto de Castro Alves enviesada, favorável a pequenos e grandes vandalismos, o das multidões desgovernadas que chegam com impacto devastador, ou de duas ou três dezenas de pessoas que se revezam passeando com seus cachorros no círculo gramado, uns oito ou dez metros de diâmetro, da fonte da ninfa, o que a grama não pode suportar.


No último sábado, uma senhora, indignada em seus mais de setenta anos, apelava em vão à gentileza urbana do bando de capadócios que nem notava estar destruindo o gramado e defenderam bravamente seu inalienável direito de transformar jardim em deserto. E os cachorros, hem? Uma mocinha, produzidinha, bem falante, prá lá de “fashion”, lembrou com muita autoridade à mulher que reclamou que “cachorro também é humano”, como proclamou, em seu tempo, o ministro Magri. Mas a água da fonte está suja, a grama morrendo, a ninfa, mais uma vez, de braço quebrado. Assim, nem ipê aguenta e, é melhor mesmo que esconda as galas de sua inflorescência. (NM)