O sábado que passou tinha tudo para ser um dia aziago. A chuva ainda não se
havia decidido a lançar seus consoladores eflúvios sobre BH, ansiosamente
esperados depois de meses de secura e canícula, o fogo comendo solto nas serranias
do entorno da cidade, castigando flora e fauna; Havia desconforto e apreensão.
Aí, logo de manhã, o telefone e a notícia de que, naquela mesma madrugada, o
Plínio, Plínio Bossi Barreto, havia ido embora.
Como evitar o grande sentimento de perda? Ninguém evitou nada, mas a ideia
do Plínio indo embora ficou claramente dissociada de qualquer tristeza no
velório do Cemitério do Bonfim, onde uma legião de amigos e familiares foi se despedir
dele. Todos e cada um tinham lembranças boas e alegres do grande jornalista
que, caso raro, exerceu, e com a maior dignidade, a sua lide até a noite,
aquela noite em que recebeu a visita da Parca. Escreveu sua última crônica logo
depois de cerrar-se o crepúsculo dos seus 93 anos.
Ele nunca conheceu qualquer perda de lucidez e manteve intata a memória
prodigiosa, no semblante e nos olhos o brilho da inteligência com que terá
encarado sem medo uma respeitosa Fiandeira que sabia muito bem que Plínio não
tinha medo dela. Como no poema de Geir Campos, pôde apresentar-se diante dela
“sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
(...) a alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito, e – expresso documento – a palavra conforme o
pensamento.”
Carregou desde sua longínqua infância a paixão do velho bairro da Lagoinha, que
expressou em textos memoráveis no livro “LAGOINHA MEU AMOR”, afetuosa metonímia
da cidade dos mais belos horizontes. Conhecia, no tempo e no espaço, e se
alegrava no amor de BH que, diga-se de passagem, sempre o quis muito bem.
Futebol ocupou muitos anos de sua longa carreira de jornalista, como
repórter, redator, editor, o escambau. Em 1976, quando já se ocupava de outras
áreas do jornalismo que não o esportivo, publicou, só por desenfado, “Futebol
no embalo da nostalgia”, um livro precioso, com histórias impagáveis
vivenciadas em anos e anos de experiência e trabalho, entesouradas nos cofres
de sua memória de prodígio.
Agora, o seguinte: privilégio era ouvi-lo numa mesa de botequim contanto
histórias que só ele era capaz de lembrar, conversas circunstanciadas com a
maior precisão quanto a datas e locais com gente que ele teve oportunidade de
conhecer ao longo de seus muitos anos de jornalismo, assim, Ary Barroso, Lamartine
Babo, Pixinguinha, e a turma do futebol, Zezé Moreira, Telê Santana, Garrincha, e
muitas histórias envolvendo Felício Brandi, o grande presidente do Cruzeiro
Esporte Clube, seu time do coração. Também da infância na Lagoinha, bairro construído
basicamente por imigrantes italianos, incluindo sua família, ele trouxe
a irremissível paixão do antigo Palestra, o Cruzeiro de hoje, paixão jamais
influiu no rigor profissional com que sempre tratou os fatos e a notícia.
Sujeito exemplar, o Plínio! E que jornalista!
Saudade? Claro, muita saudade, de seus amigos, de sua mulher e de seus sete
filhos e muitos netos. Mas saudade dessas que vêm devagar, envoltas em
lembranças boas e muito afeto. Nem poderia ser de outro modo, posto que, na
razão e na emoção, Plínio sempre foi antes de tudo um tremendo afetivo. Ele
gostava das pessoas que, talvez por isso mesmo, gostassem tanto dele. (NM)