A locução “iQuevachaché!”
titulo de composição de Enrique Santos Discépolo, 1928, é voz infantil,
corresponde a “iQue vas a hacer!” Com alguma
liberdade, a gente pode traduzir por “O que é que tu vais fazer, meu irmão!” Os
“gorilas” argentinos não gostaram e, com o mau humor habitual, proibiram de
tocá-la no rádio: “...iQuevachaché! Hoy
ya murió el critério... // Vale Jesús lo mismo que el ladrón.“ É antecipação de “Cambalache”, em que, mais tarde, quando ninguém nem suspeitava
que Trumpp, um dia, ia virar presidente, o poeta tangueiro proclamou “Que el mundo
fué y será una porqueria” etc. Enquanto ventos bons não dissiparam da Pampa aquelas
brumas negras, a canção também ficou proibida.
Tratamento respeitoso, até solene, primordialmente,
o pronome “vossa mercê” reduziu-se, ”, pelo tempo e pelo uso, a “vossemecê”, “vosmecê”, “você”, “ocê” e a
mais não sei quantas formas, até chegar a “cê”, que parece seu último estágio, fração
essencial que oferece novos tons, ritmos
novos. Ainda mal acordado, o sujeito
surpreendeu a mulher escapando-se para o frio da madrugada, provavelmente, pelo
modo como a interpelou, em algum lugar ignoto, da ignota Minas Gerais: – Oncevai, Maúde?
Estupefata, como se saísse de um transe
sonambúlico, a mesma economia de palavras: – Dió, do céu! Oncotô?
Maria de Lourdes e Diocleciano voltaram para
a cama. Do outro lado da rua, Chico da Maria Ritinha, depois de esperar por
mais de uma hora, – Que fazer? – também foi dormir.
Tropo onomatopaico, “gago” está consignado no
Aurélio como o que gagueja; balbo ou aquele que gagueja; quiquiqui, linguinha,
borboró, tartamudo, inhenho, tartamelo, tártaro, tato, tátaro, que ou quem fala
trocando o c por t; tatibitate, tatamba. Se a criança ainda não domina a fala, o tatibitatear
tem sua graça, que sobrevive em uma ou outra forma na linguagem coloquial, mais
pela cumplicidade da mãe, que propende a aceitar quaisquer distorções perpetradas
pelos filhos. Não só as encampa como, ela própria, inova e inventa para
facilitar-lhes a compreensão. E eis que ritmos suaves e benignos da linguagem
materna ganham os léxicos do mundo – Que bom! Pra começar, aquelas reduções
carinhosas dos nomes, os hipocorísticos, Lola por Dolores, Teca por Teresa, Bia
por Beatriz, e Zezé, Tião, Chico e Chiquita, de repente bacana lá da Martinica.
Talvez pelo fato de namorar o “Cebolinha”, cujos
cabelos espetados lembravam o das tirinhas do jornal e que, como o Hortelino Troca-Letras, dos quadrinhos
do Pernalonga, não se avia bem com os “rr” , Zélia, uma alegre japonesinha,
divertia-se em sua república, na Rua
General Osório, em Ribeirão Preto, perguntando a algum distraído: “– Utêté um fuinho?”. Ela mesma respondia,
achando a maior graça: “– É um bulatinho na palede.”
Armado num pequeno descampado, o circo agitava
cidadezinha encravada em primordial bacia vulcânica. De suas bordas erigidas em
montanha, a gente podia olhá-la lá embaixo como a um pequeno presépio e, visto
assim, o circo, modesto, era só mais um detalhe, mas tinha palhaço, ou melhor,
dois palhaços, um grande e, de contraponto, um pequeno, na vida real uma
menina, filha do palhaço grande. Descaracterizado, às vezes entrava no
picadeiro o dono do circo, para servir-lhes de “escada” em uma ou outra gague. Era
tudo muito ingênuo e alegre. Numa sessão vespertina, o palhaço grande iniciou
um diálogo com o pequeno:
– Teteté?
– Tatetitô.
– Titô?
– Tatetô.
Entrou o “escada”, esbravejando: – Que
conversa é essa? A gente pode saber o que é que vocês estão dizendo?
Os palhaços levaram os polegares à altura das
orelhas e agitaram as palmas abertas das mãos. – Você não entende nada mesmo,
seu burro.
Um garoto saiu da plateia em seu socorro,
cara de tédio de quem estivesse explicando a maior obviedade do mundo:
– O quê é que você quer?
– Papel de cor.
– Que cor?
– Qualquer cor.
E, fora do script, disparou: – Entendeu? Seu burro!!!
As crianças riram muito. Os adultos, também.
Agora, o seguinte: irritava tanto um cara, a
cara infantilizada da namorada insistindo a toda hora em chamá-lo de “momô!”
que, de saco cheio, ele foi embora e nunca mais voltou. – “Momô” é a puta que pariu! foi só o que teria
dito.
Às vezes o tatibitate vem com cores da
senzala, como na velha canção, e é puro encanto:
“Eu vou fazer um casaquinho
De tricô pro meu amor.
– Di que cô qué, ai Ioiô?
– Di caqué cô.”
O rádio já não traz, às 19h, depois dos
primeiros acordes de “O Guarany”, na voz inconfundível, a conclamação:
“Trabalhadores do Brasillll!”.
– `peraí, mas isso não tá "inserido no
contexto".
– Pode
ser que não, mas também pode ser que sim, meu irmão, porque saúva não acabou
não, e o Brasil, o Brasil, ah, o Brasil... “iQuevachaché!”
(NM)