BH
está vestida para festa, com todas as cores e galas dos ipês. A florada deste
ano chegou simplesmente deslumbrante, repetindo, talvez, o grande jubileu
vegetal celebrado na cidade por essas árvores inacreditáveis em 2011, quando
cometeram todos os excessos de magnificência. Todos os tons do rosa clarinho ao
lilás estão em nossas ruas, praças, parques, cemitérios, quintais e onde mais.
Ipês, ipês por toda parte, que bom!
É
claro que, no reino das entidades verdes, essas ocorrências essenciais estão
subordinadas a condições de ordem meteorológicas, como a variação de
temperatura e da umidade relativa do ar, sei lá. Mas a gente pode acreditar em
magia pra explicar a orquestração da florada
dos ipês que, de algum modo, concertam isso de nos brindar, todos na mesma
noite, com o esplendor de suas
inflorescências. Mas, também, explicar pra quê?
O
ipê da foto, achou de florir no canteiro central da Avenida Getúlio Vargas, de
onde irradia em muitas direções seus mais brilhantes eflúvios de sua fantasia
vegetal. As magnólias do fundo ostentam o verdor do vestido de baile da
Scarlett O`Hara. Dá até pra gente pensar se a árvore não guarda atavismos dos
tempos do Jardim do Edem que, de vez em quando, permite que se manifestem para refrescar
a memória dos homens, numa quadra triste como esta, de miséria e indigência por
todo lado, sem perspectivas de alívio, refresco nenhum, sem esperança.
Milhares
de zumbis perambulando pelas ruas e dormindo nelas faça chuva ou faça sol, ou
na friagem açoitante deste nosso inverno que, de repente, resolveu mostrar seus
rigores. Comem e bebem o que lhes oferece as ruas e, claro, aceitam sem
reservas o consolo alucinógeno e letal das pedras de sonho. Uma merda! E, no
entanto, vêm os ipês com uma florada dessas. Gente, ainda dá pra acreditar.
(NM)
Um
pé de maracujá alienígena
Pra
quem não é de BH, explico que a Savassi é a área mais charmosa da cidade, muito
comércio, galerias, shoppings, restaurantes
e, sobretudo, muitos bares. Nesse espaço
especial de uma cidade especial, eles são tantos que até podemos parafrasear em
nosso próprio proveito aquela assertiva madrilenha de que “hay mas bares en la calle Atocha de Madrid, que en todo el reino
de Dinamarca”. Nunca fui de sair contando bares escandinavos, mas os nossos
estão aqui, pra quem quiser contar.
Da
perspectiva do bar, de qualquer bar, da “calle Atocha” ou da Dinamarca, mas
estamos na Savassi e, é igual, não deixa de ser intrigante a prosaica presença
de um pé de maracujá na Rua Antônio de Albuquerque, entre Levindo Lopes e
Sergipe. O mais provável é que alguém comeu um maracujá e lançou a cuia vazia ao
pé de uma árvore do passeio e, por acaso, uma semente foi junto. A semente
germinou, a rama galgou a árvore com
suas tenazes gavinhas, alcançou a fiação telefônica, a rede elétrica, e não
para de se expandir em todas as direções, deitando um imenso caramanchão.
Isso,
porém, não passaria de especulação, considerando-se a hipótese, das mais
plausíveis, do maracujá alienígena, que apenas inicia uma invasão, que só
terminará quando a ramagem exuberante vinda do espaço sideral estender-se por
toda a rede de cabos elétricos da cidade, alcançando os edifícios, públicos ou
não – imagine o que será de tantos palácios da justiça? – até cobrir nossa BH
tão amada, idolatrada, salve, salve!
E,
no entanto, o pé de maracujá da Rua Antônio de Albuquerque achou de dar frutos,
lindos e suculentos maracujás, isso depois de exibir sem qualquer pudor aquelas
flores da cor da paixão, roxas, roxas. O primeiro que ocorre em quem vê aqueles
frutos, é um bom e refrescante suco, mas é bom lembrar que o pé de maracujá pode
ter seus próprios desígnios: esconder BH sob um imenso caramanchão protetor, ou
transformar em suco sua população ingrata e descuidada. (NM)