Em maio, 2016, O&B postou louvor de muito bem querer a muitas montanhas, para abarcar um grande afeto a todas as montanhas do mundo (Se as montanhas cantam? Sim, elas cantam) *. Não que não houvesse, então, tribulações, assombros, mas sonhos, quem sabe devaneios, podiam expandir-se em ondas suaves de ternura, muitas garças, muita espuma, velas azuis, estrelas, zum, zum, zum, lá no meio do mar, Elvira, Elvira, não sejas traidora... Em salmodiando assim, ao clarão de branda lua, um sujeito de boa índole podia intuir o amplexo generoso da luz que as montanhas esparzem e das esferas altas, para retornar a corações amáveis como genuíno anseio de liberdade. Zum, zum, zum, lá no meio do mar...
Não estavam à vista essas ameaças terraplanistas à Serra do
Curral, grande totem da cidade de Belo Horizonte, seu apanágio primordial,
leito e berço de auroras de fogo espevitadoras de cada Estrela da Manhã. Agora,
não. Homens crassos, corações toscos, acham que uma montanha a mais ou a menos
não faz diferença. Vêm com a licença perversa, maligna, inconcebível, eles, que
deveriam cuidar do patrimônio natural, preferem entrega-lo à atividade
mineradora, para ser destruído.
Minerar o grande parque da Serra do Curral, secar suas
fontes e nascentes de águas claras, devastar a floresta nativa; reduzir tudo a
crateras desérticas em que erva não medre e pássaros não cantem mais. Esquilos,
tamanduás, tatus, répteis, macacos, capivaras, pacas, jaguatiricas e suçuaranas
mensageiras, conhecedoras dos caminhos do infra mundo, cedros, perobas,
jequitibás, ipês de esplendoroso florir, o brando lilás da florada dos
jacarandás... Para quê? Para quem, se só servem para esconder hematita de
riquíssimo teor, oba! E tudo rente a uma grande cidade, custo nenhum com
infraestrutura, pois. Bom demais pra ser honesto. Ambição, dinheiro, dinheiro, mais
dinheiro, o Dinheiro, prova ontológica da existência do Capeta, segundo Santo
Agostinho.
Senhores agentes da devastação, lobbies e apaniguados, o
governo leniente, inclusive: Respeitem as montanhas dos outros. Nem pensem em
destruir a nossa serra. Pra que a gente não descambe de vez no desaire, que tal
irem minerar lá no meio dos quintos dos infernos? É a Serra do Curral, caralho!
(nm)
Agora a postagem antiga, só de afeto, de maio de 2016:
Se as montanhas cantam? Sim, elas cantam. (*)
iQué bien los nombres ponia
Quien puso Sierra Morena
a esta serrania!
(Antônio Machado)
Sempre a sonoridade grata, às vezes áspera, branda às vezes, nos nomes que, em toda parte, emergem da Terra ao levantar-se em direção ao céu alto e que se expandem pelo Orbe, música, como se as montanhas cantassem. Les Pyrenées, os Picos de Europa, a Cordilheira Cantábrica; os Apeninos, montes da Itália e da Lua; e o Olimpo e o Parnaso, onde deuses ainda confraternizem em altas libações, os Cárpatos, os Montes Uralo-Altaicos, The Rocky Mountains, Fujiyama, Momotombo, da Nicarágua, feito o Vesúvio e o Etna é montanha que fuma e deita fogo; os Montes Atlas, Lalla-Kadidja e os demais; o Quilimanjaro, o Monte Quênia, mansão dos ancestrais Quicuios, guia e arrimo dos Mau-Mau. A gente pode até pensar se a glória de Roma seria igual sem a magia de suas colinas, impregnado de poesia o nome de cada uma: Palatino, Quirinal, Aventino, Monte Célio, Viminal, Capitólio, Esquilino...
A Sierra Maestra acolhe aquele “cierbo herido” de Marti,
“que busca en el monte amparo” e muitos cubanos pronunciam seu nome de puro
encanto com reverências que só à própria mãe são devidas. “Por la Sierra
Morena, a dos mexicanos, Cielito lindo, venian bajando, un par de
ojitos negros, (...) de contrabando”; a da Espanha, por direito de poeta,
pertence a Antonio Machado, assim como a Gustavo Adolfo Becquer, umas cantábricas
peñas... Desde Puertu de Payares a gente avista lá embaixo,
resplandecente, o verdor dos vales de Astúrias, um deslumbramento! Guadarrama,
Guadarrama, primeira linha de defesa da Madri republicana, suas pedras altas;
Sierra Nevada da sultana Aixa, branca Lua de Granada, e de Garcia Lorca, Lorca,
e Manolo Caracol!
Repartidora de grandes águas, para o Sul, o Rio Grande, para
o Norte, o Rio de São Francisco que, serpeando Nordeste afora, vai saciando
muitas sedes, Serra da Canastra! Umas vaquinhas de longos chifres escalavam
feito cabras montesas, já faz tempo, as encostas íngremes, para alcançar moitas
nativas de capim gordura. Um litro de leite a cada dia, porém riquíssimo, para
nutrir sua cria e ensejar o queijo sem igual; uma vaca de estábulo, vinte
litros ou mais, porém, queijo nenhum que leve com dignidade o prestígio de seu
nome mágico.
Serra do Curral, o grande totem
da cidade de Belo Horizonte, da Moeda, Serra do Salitre, Serra do Rola
Moça, da Borborema, Serra da Mantiqueira, Morro do Papagaio, Pão de Açucar,
Morro da Viúva, Monte Pascoal, Monte Azul, Monte de Vênus, epa! Sem grandes
proeminências na Geografia, a Serra da Boa Esperança, “Esperança que encerra
(...)”, nos versos de Lamartine eleva-se até as estrelas. Serra do Mar, Serra
Geral, dos Órgãos, Serra do Caparaó, o Pico da Bandeira, mais alto do Brasil
antes de umas medidas mais recentes darem primazia ao Pico da Neblina de
misteriosas brumas, sem desprestígio algum a velhos cadernos escolares ou à
memória da infância. Muito menos à professora, que ensinou, está ensinado e
muito bem aprendido.
Pico do Itacolomi, “menino de pedra”, “pedra que balança”,
em idioma Tupi, ou “farol dos bandeirantes”, totem da antiga Vila Rica e desta
Ouro Preto de agora, infestada de turistas, testemunha silenciosa da execução
de Felipe dos Santos e de uma onírica conjura de poetas: lirismos arrebatados,
Gonzaga, Alvarenga, “Bárbara bela do Norte, Estrela ...”
Com seus foros de cordilheira, ergue-se o Espinhaço por
léguas e léguas de longitude, uma tripa, considerando a latitude ínfima; seria
todo em Minas, mas não pôde resistir à tentação de esticar-se até a Bahia. Quem
é que pode? Manda muitas águas direto para o Mar, mas reserva outras muitas
para o São Francisco, que, portentoso esbarro, rebate rumo a seu destino;
encrespa e eriça suas pedras pretas nas alturas de Diamantina, tremendo arrepio
telúrico orientado todo para o Norte, pente de Minas, magnífico, que gemas
preciosas enfeitam, umas grandes, muitas pequenas, xibius.
(nm)
Replico alguns dos comentários que chegaram a O&B, não
por jactância de blogueiro, mas como registro do apelo afetivo das montanhas,
que a todos alcança e, subliminarmente, da ideia de que cada um tem a sua.
J.D. Vital, por exemplo, reclamou, mas alegrou-se nas
lembranças suscitadas: Senti falta da Serra da Cambota, onde fica o Garimpo,
a serrania mais fantástica e cantante de Minas Gerais. De lá, você vê a Vila de
Cocais a seus pés e, lá longe, a Vila do Curral Del Rey. Você alegrou meu
sábado.
Luiz Fernando Perez, que foi embora tão intempestivo,
alegrou-se, na ocasião, ante a remissão às montanhas, especialmente as de Minas
e da Espanha. Tudo faz com que este sábado de maio seja muito promissor.
Marlyana apenas deixou-se impregnar do halo de afeto: Que
texto lindo, Nilseu. Muito lindo mesmo. Montanhas...
O Gerrô foi superlativo, como sempre. Claro que seu
entusiasmo é pelas montanhas: Belo, belísimo, Nilseu. Bravo, bravo,bravo!
Em todas as serras que efetivamente pensei, estão lá. Texto
leve, trabalhoso. Geograficamente alegre. O Paulo Sergio foi sutil, comme il faut.
Mas, à maneira do Hermes Trismegisto, com um adverbio e um adjetivo fez,
talvez, derivar a conversa para uma referência distraída a mons veneris ou
àquele pente de pedras do Espinhaço, nas contiguidades de Diamantina.
Angela Leite, sempre atenta às postagens desde O&B,
sempre gentil: Viajei por todas essas montanhas e fiquei feliz de terminar a
viagem em Diamantina, terra de minha família paterna...
João Lincoln deixou-se enternecer ante as referências à
nossa Canastra: aproveitei para viajar nas serras, montanhas e cordilheiras do
nosso Planeta.
Para a Heloïse Donnard foi uma remissão telúrica a quem está
longe da sua terra e de suas serras: Lindo texto, saudade das montanhas da
minha Minas Gerais.
(nm)