O que se diz é que os anos trazem sabedoria, experiên-
cia, essas coisas. Que nada! Eles vêm para surrupiar, espoliar, reduzir possibili-
dades, principalmente as que mais graça dão à vida. Aceitá-los, por inexo-
ráveis, requer doses cada vez mais altas e concentradas de humor, sem as quais nem daria pra gente ir levando. Um blogueiro se aborrece com o coro de cigarras que invade suas insônias, como um discreto chiado, às vezes, às vezes como manifesto zumbido de enxame que, se chega associado a uma boa enxaqueca, pode transformar-se em estrídulo trilar de muitos grilos.
cia, essas coisas. Que nada! Eles vêm para surrupiar, espoliar, reduzir possibili-
dades, principalmente as que mais graça dão à vida. Aceitá-los, por inexo-
ráveis, requer doses cada vez mais altas e concentradas de humor, sem as quais nem daria pra gente ir levando. Um blogueiro se aborrece com o coro de cigarras que invade suas insônias, como um discreto chiado, às vezes, às vezes como manifesto zumbido de enxame que, se chega associado a uma boa enxaqueca, pode transformar-se em estrídulo trilar de muitos grilos.
Sem levar em conta, por insidiosa, asserção segundo a qual
mineiro de Minas Gerais não fica doido, mas pode piorar, a lembrança de um
sujeito lá do Sudoeste,
“vem mesmo a calhar”,
como aquelas cordas que surgiam do nada nas histórias em quadrinhos. Ele só
resolveu enlouquecer depois que começaram a retinir dentro de sua cabeça os
sinos de Notre Dame.
Tinha desses fumos, Europa, cultura francesa, Faubourg Saint
Honoré, Rive Gauche, Quartier Latin, Montmartre, Montparnasse, Brigitte Bardot,
la Deneuve, Le ça ira, ça ira, ça ira Piaf, Piaf, Le ciel bleu sur nous peut s´enffrondrer // Et la terre peut bien
s`ecrouler // Peu m`importe si tu m`aimes // Je me fous du monde entier...
Oh Paris! Mon coeur, mon amour, Aznavour, mon oncle, Tati,
tatibitate, petit pois, petit gateau, Josephine Baker, Woody Allen, Nijinsky,
Picasso, Claude Debussy, crepe suzette etceterá. E com a mesma interjetiva e sincera
admiração, Montmorency, Chenonceau, St. Aignan, Langeais, Azai-de-Rideau, Le
Lude, Amboise... Oh, Loire, ces chateaux!
Tudo bem, mas se o ouvido insiste em ouvir independentemente
de quaisquer estímulos externos, o jeito é consultar um especialista.
- Não se preocupe. Isso geralmente ocorre quando há alguma
perda de capacidade auditiva, que sempre vem com os anos.
- Ah, bom. Então é assim. A gente vai ficando velha e surda.
Aí começa a ouvir abelhas zumbindo com suas lépidas asinhas, mesmo que não
existam abelhas, só o silêncio da noite estrelada!
A audiometria apenas confirma o prejuízo da percepção de
algumas freqüências mais agudas.
- E aí, doutor.
Veio a prescrição, umas pastilhas que deveriam inibir a
auto-estimulação do nervo ótico e, pelo menos, baixar o volume dos zumbidos,
nada, pois, tão intenso ou dramático feito aquele pneumotórax do poema de
Bandeira, nenhum tango argentino. As pastilhas, uns placebos ordinários. Otorrinolaringologicamente,
advérbio e tanto, que fiasco! Mas ligar pra isso, pra quê?
La Marianne, ou a Liberdade (de Delacroix) conduzindo o pobo, barricadas,
Gavroche, as cabeças de Danton e de Camille Desmoulins, em outra cesta a de Maria Antonieta
e, suaves, as mãos de Teresinha de Lisieux, aquele olhar tão meigo vindo do seu
“santinho”. E tons sombrios de Baudelaire, linhas imprecisas de Mallarmé, cores
vivas de Toulouse-Lautrec; de Breton e Antonin Artaud, as desusadas formas... Perturbar, em seus devaneios fauvistas, entendiada odalisca de Henri Matisse, nem pensar. Nem desviar de seu destino
branca caravela.
Maximilien de Robespierre, Saint-Just, Jean-Paul Marat,
Napoleon... Napoleon, eu? Non. Ainda non.
(NM)