sábado, 29 de junho de 2013

Collage parisienne

O que se diz é que os anos trazem sabedoria, experiên-
cia, essas coisas. Que nada! Eles vêm para surrupiar, espoliar, reduzir possibili-
dades, principalmente as que mais graça dão à vida. Aceitá-los, por inexo-
ráveis, requer doses cada vez mais altas e concentradas de humor, sem as quais nem daria pra gente ir levando. Um blogueiro se aborrece com o coro de cigarras que invade suas insônias, como um discreto chiado, às vezes, às vezes como manifesto zumbido de enxame que, se chega associado a uma boa enxaqueca, pode transformar-se em estrídulo trilar de muitos grilos.

Sem levar em conta, por insidiosa, asserção segundo a qual mineiro de Minas Gerais não fica doido, mas pode piorar, a lembrança de um sujeito lá do Sudoeste,
 “vem mesmo a calhar”, como aquelas cordas que surgiam do nada nas histórias em quadrinhos. Ele só resolveu enlouquecer depois que começaram a retinir dentro de sua cabeça os sinos de Notre Dame.

Tinha desses fumos, Europa, cultura francesa, Faubourg Saint Honoré, Rive Gauche, Quartier Latin, Montmartre, Montparnasse, Brigitte Bardot, la Deneuve, Le ça ira, ça ira, ça ira  Piaf, Piaf, Le ciel bleu sur nous peut s´enffrondrer // Et la terre peut bien s`ecrouler // Peu m`importe si tu m`aimes // Je me fous du monde entier...

Oh Paris! Mon coeur, mon amour, Aznavour, mon oncle, Tati, tatibitate, petit pois, petit gateau, Josephine Baker, Woody Allen, Nijinsky, Picasso, Claude Debussy, crepe suzette etceterá.  E com a mesma interjetiva e sincera admiração, Montmorency, Chenonceau, St. Aignan, Langeais, Azai-de-Rideau, Le Lude, Amboise... Oh, Loire, ces chateaux!

Tudo bem, mas se o ouvido insiste em ouvir independentemente de quaisquer estímulos externos, o jeito é consultar um especialista.

- Não se preocupe. Isso geralmente ocorre quando há alguma perda de capacidade auditiva, que sempre vem com os anos.

- Ah, bom. Então é assim. A gente vai ficando velha e surda. Aí começa a ouvir abelhas zumbindo com suas lépidas asinhas, mesmo que não existam abelhas, só o silêncio da noite estrelada!

A audiometria apenas confirma o prejuízo da percepção de algumas freqüências mais agudas.

- E aí, doutor.

Veio a prescrição, umas pastilhas que deveriam inibir a auto-estimulação do nervo ótico e, pelo menos, baixar o volume dos zumbidos, nada, pois, tão intenso ou dramático feito aquele pneumotórax do poema de Bandeira, nenhum tango argentino. As pastilhas, uns placebos ordinários. Otorrinolaringologicamente, advérbio e tanto, que fiasco! Mas ligar pra isso, pra quê?

La Marianne, ou a Liberdade (de Delacroix) conduzindo o pobo, barricadas, Gavroche, as cabeças de Danton e de Camille Desmoulins, em outra cesta a de Maria Antonieta e, suaves, as mãos de Teresinha de Lisieux, aquele olhar tão meigo vindo do seu “santinho”. E tons sombrios de Baudelaire, linhas imprecisas de Mallarmé, cores vivas de Toulouse-Lautrec; de Breton e Antonin Artaud, as desusadas formas...  Perturbar, em seus devaneios fauvistas, entendiada odalisca de Henri Matisse, nem pensar. Nem desviar de seu destino branca caravela.

Maximilien de Robespierre, Saint-Just, Jean-Paul Marat, Napoleon... Napoleon, eu? Non. Ainda non.


(NM)

9 comentários:

  1. Querido Nilseu,

    Que delícia é ler seus escritos. Não são, nem de longe, conversa fiada. Qualquer coisa que escreva, mesmo se fosse sem nenhuma importância, já vale por seu estilo único e agradável. Passeio por Paris em suas vielas, em seus personagens ilustres, em locais de viva e amada memória.

    Afetuosamente, você nos trouxe o querido Dr. Carlos Alberto, intelectual que tive a honra e o prazer de conhecer. Tristes, mas reais, o texto e a poesia são de leitura aplicada, para não se perder nada do que queria dizer.

    Você me fez lembrar quando perguntei ao papai o que era "anticonstitucionalissimamente". Ele, professor nato, explicou à menina de sete anos, do Colégio Sion, do Rio, buscando em sua biblioteca a Constituição Brasileira, que me foi apresentada naquele momento. Daí para frente, fiquei sabendo o que era aquele texto, de que tratava, e o que era ser constitucional ou inconstitucional. Com exemplos, finalmente, ele chegou à maior palavra da língua portuguesa. O texto do seu blog me fez reviver até mesmo o cômodo da casa em que estávamos.

    Com isso, reafirmo que O&B não é conversa fiada. É, antes de tudo, a aproximação freqüente com um amigo que, não fosse pelo blog, estaria mais afastado de mim pelas inúmeras ocupações que nos cumulam no dia a dia da nossa gostosa aposentadoria.

    Obrigada por se ocupar do blog e um grande abraço da

    Marília

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  2. Ô, Marília,

    Você nem sabe como me alegra e alenta tê-la como qualificadíssima leitora dessas ociosidades que publico.

    Grande abraço,

    Nilseu

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  3. Parabéns Nilseu. Lindo o que você escreve. Muito bom!
    Rafisa

    Olha, Rafisa, você falando assim, eu até acredito.
    Nilseu

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  4. Oi, Nilseu,

    Continuo em falta com você. Perdoe-me, mas um dia, pode acreditar, vou lhe mandar um "poemeto" meu, mas não se obrigue a publicá-lo em seu lindo blog.
    Abraços
    Magda (Lopes)

    Oi, Magda,

    Estou esperando.
    Nilseu

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  5. Oi, Nilseu, mais um daqueles textos deliciosos de serem lidos numa bela tarde de domingo.
    Um abraço,

    Magda Antuña

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  6. Muito bom, Nilseu.

    Abraço,

    Danilo Andrade

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  7. Nilseu, meu amigo

    Já comecei a passear pelo seu blogue. Pretendo continuar a frequentá-lo. Estou gostando. Até descobri que essa tal de acufenia é um trem danado de sério. E que, como mineiro de Barão de Cocais, não corro risco de ficar doido: só de piorar.

    Forte abraço

    Vital


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  8. Claro, JD,

    Mas isto são apenas vicissitudes da mineiridade de cada um.

    Nilseu

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  9. Cumé qui é?
    Mineiro de Minas Gerais não fica doido, mas pode piorar?
    É ieu, sô.
    Cada vez pior e a gostar dos teus textos.
    Abraço.

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