65 – 66 – 67 – 68 /// 57 – 58 – 59 – 60 /// 13 –14 – 15 – 16
Em seu tempo primordial, Adão fez
perfilar “os animais paramentados e a cada um deu um nome de batismo”, nomes
bonitos, gratas sonoridades nem sempre suaves, laguasca, jaratataca, lombriga, cágado,
ornitorrinco, mafagafos em seus ninhos, com dezesseis mafagafinhos. Desde então
um atende por gafanhoto, por vulcchereria bancroft outro, e também vêm bem-te-vi
e libélula, tiranossauro rex, abelha-rainha, coelho, lépido e pequeno, grandes
orelhas, hipopótamo, pesado, enorme, orelhas curtinhas, e assim por diante.
Aí vem o barão Viana Drummond e inventa
o joguinho. Águia, galo, cavalo, cabra e cobra, avestruz de passo ligeiro e pavão de fulgente
esplendor ganham números, em dezenas, centenas e milhares, e prestígio e
presença nos sonhos dos humildes.
Luiz Gonzaga disse em canção conhecida,
aquela do chofer de praça: “Para batizado, tenho um terno branco, // para
casamento tenho um terno azul”. Um terno de macaco, jacaré e borboleta e até mesmo
um estudante pobre, pobre de marrais,
marrais, pode celebrar um glorioso fim de semana com a namorada em Ouro
Preto, “tempranillo” da Rioja, queijos de boa índole, bambá de couve num fim de
noite em Mariana e, na friagem nivosa de Lavras Novas, aconchego de iglu na
pousada lá no alto, onde a montanha se eleva até quase encostar na Lua; uma ou duas taças de espumante
para enlevo dos espíritos apaziguados, muito mesmo a calhar.
De repente, o quase milagre: não
mais mera ausência, sombras, abstração, prosaicas criaturas ganham sentido, substância,
as cores e, principalmente, os nomes que têm, e viram objeto de ternura e
cuidado: Ararinha azul, tartarugas marinhas, baleia jubarte, mico-leão dourado....
Vêm à baila, à tona, aos holofotes, de
mansinho, aos poucos, nas asas de nossa nostalgia. Nostalgia da mais gentil das
aves, o dodô, a mais indefesa, que um dia caminhou a passo desengonçado pelas
praias dos Galápagos; da pomba avoante, de movimentadas estações de choca no Sertão
nordestino; dos pigmeus da Tasmânia, caçados, esportivamente, em sua ilha
paradisíaca até que fosse abatido o último de sua estirpe amável; e nostalgia de
todas as espécies animais e vegetais que se foram para sempre, até dos
dinossauros, ou que estão indo agora, antecipando nosso deserto.
Leão, Escorpião, Caranguejo, o
Capricórnio de agudas aspas, Áries de cenho pensativo, Peixes silenciosos. Estes há muito esplendem as noites do Mundo e,
cada um em seu momento, cruza o céu constelado carregando enigmas do Tempo, perplexidades
e presságios, um ou outro aterrador. Digam, porém, o que digam, o que passou,
passou. Eles acolhem, com benignidade,
suspiros, arrepios e outras prendas do Amor que, de outro modo, haveriam de
dissolver-se ao clarão esmaecido do lânguido Minguante. Por toda a extensão zodiacal,
esparrama-se o Touro, que a atravessa de cabo a rabo, enquanto chispas azuis
desprendem-se de seu olhar quase terno.
– Aldebarã, Aldebarã!
(NM)