segunda-feira, 7 de julho de 2014

Da nomenclatura zoológica

    
      
65 – 66 – 67 – 68  ///  57 – 58 – 59 – 60   ///   13 –14 – 15 – 16


Em seu tempo primordial, Adão fez perfilar “os animais paramentados e a cada um deu um nome de batismo”, nomes bonitos, gratas sonoridades nem sempre suaves, laguasca, jaratataca, lombriga, cágado, ornitorrinco, mafagafos em seus ninhos, com dezesseis mafagafinhos. Desde então um atende por gafanhoto, por vulcchereria bancroft outro, e também vêm bem-te-vi e libélula, tiranossauro rex, abelha-rainha, coelho, lépido e pequeno, grandes orelhas, hipopótamo, pesado, enorme, orelhas curtinhas, e assim por diante.
Aí vem o barão Viana Drummond e inventa o joguinho. Águia, galo, cavalo, cabra e cobra,  avestruz de passo ligeiro e pavão de fulgente esplendor ganham números, em dezenas, centenas e milhares, e prestígio e presença nos sonhos dos humildes. 

Luiz Gonzaga disse em canção conhecida, aquela do chofer de praça: “Para batizado, tenho um terno branco, // para casamento tenho um terno azul”. Um terno de macaco, jacaré e borboleta e até mesmo um estudante pobre, pobre de marrais, marrais, pode celebrar um glorioso fim de semana com a namorada em Ouro Preto, “tempranillo” da Rioja, queijos de boa índole, bambá de couve num fim de noite em Mariana e, na friagem nivosa de Lavras Novas, aconchego de iglu na pousada lá no alto, onde a montanha se eleva até quase encostar na Lua; uma ou duas taças de espumante para enlevo dos espíritos apaziguados, muito mesmo a calhar.

De repente, o quase milagre: não mais mera ausência, sombras, abstração, prosaicas criaturas ganham sentido, substância, as cores e, principalmente, os nomes que têm, e viram objeto de ternura e cuidado: Ararinha azul, tartarugas marinhas, baleia jubarte, mico-leão dourado....  Vêm à baila, à tona, aos holofotes, de mansinho, aos poucos, nas asas de nossa nostalgia. Nostalgia da mais gentil das aves, o dodô, a mais indefesa, que um dia caminhou a passo desengonçado pelas praias dos Galápagos; da pomba avoante, de  movimentadas estações de choca no Sertão nordestino; dos pigmeus da Tasmânia, caçados, esportivamente, em sua ilha paradisíaca até que fosse abatido o último de sua estirpe amável; e nostalgia de todas as espécies animais e vegetais que se foram para sempre, até dos dinossauros, ou que estão indo agora, antecipando nosso deserto.  

Leão, Escorpião, Caranguejo, o Capricórnio de agudas aspas, Áries de cenho pensativo, Peixes silenciosos.  Estes há muito esplendem as noites do Mundo e, cada um em seu momento, cruza o céu constelado carregando enigmas do Tempo, perplexidades e presságios, um ou outro aterrador. Digam, porém, o que digam, o que passou, passou.  Eles acolhem, com benignidade, suspiros, arrepios e outras prendas do Amor que, de outro modo, haveriam de dissolver-se ao clarão esmaecido do lânguido Minguante. Por toda a extensão zodiacal, esparrama-se o Touro, que a atravessa de cabo a rabo, enquanto chispas azuis desprendem-se de seu olhar quase terno.

– Aldebarã, Aldebarã!

(NM)



9 comentários:

  1. Bela e oportuna divagação zoológica, ideal para leitura em tarde/noite quase fria, num tempo de futuro incerto dos animais de todos os tipos.

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  2. Caro Nilseu,

    Nestes tempos nada se enquadra.Estamos em algum desvio.
    Seus escritos têm primor.São sempre prazerosos.

    Paulo Sérgio

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  3. Grande Nilseu,

    Brilhante.È um calmante para estes tempos violentos de hoje

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  4. Nilseu, este texto me alegrou nesta tarde fria e um pouco triste de Beagá.
    Valeu!

    magda antuña

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  5. Na Tasmânia, pigmeus, como categoria zoológica, só os gambás - de onde vem a expressão "bêbado como um pigmeu da Tasmânia"...

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  6. Caro Nilseu,

    Depois de assistir à vitória argentina sobre os holandeses (nos pênaltis)
    debrucei-me sobre o O&B e emocionei-me com tanta preciosidade.
    As mais antigas postagens eu já tinha visto. Seu texto sobre os "Bichos" ficou uma "incelente maravilha" como diria o Pereira da Viola.

    Gostei da crítica que vc fez sobre o espetáculo da Rosinha. Bonita a crônica do Fabrini. Pena que o poema eu só entendo pelas metades. Meu velho Nilseu e sua paixão pelos cavalos e, sobretudo, pelos nomes. Adorei os textos sobre os passeios pelas cidades históricas e pelos barzinhos de BH. Curti a tua foto junto aos "Cavaleiros do Apocalipse". Enfim, quanta coisa boa! Vc e suas ociosidades estão ótimos!

    Abração,

    Edinho



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  7. Nilseu amigo, reescrevo o que pensei ter sido publicado aqui e não foi... Seus textos são sempre iluminados, tão leves quanto rigorosos. E este não falha à regra! Tenha paciência com minhas demoras em comentar e, por favor, continue a me mandar avisos sobre novas páginas. Abração,
    Angela

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  8. Ai, Nilseu,

    cliquei no azulzinho e me deparei com mais uma das suas. Mesmo sendo uma "silenciosa peixe", não poderia deixar em branco a delícia que é ler seu blog.

    Abraço,

    Marília (Alves)

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