sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Para lembrar Carlos Alberto


Carlos Alberto, José Cabral e 
José Ramos Filho numa tertúlia 
das tertúlias dominicais na 
grande mesa da calçada do 
Tip Top: verve, humor, cultura, 
generosidade, ciência, sabedoria 
e, de repente, tínhamos instalada 
a Inefável Universidade do Bar


Filosofia do chope

Carlos Alberto de Barros Santos

Numa dessas tardes de sábado me senti solitário e sem rumo. Não sabia aonde ir. Aí me veio à lembrança um velho botequim que freqüentei na remota mocidade. É um daqueles bares antigos que não conseguiram adaptar-se ao mundo moderno. Os garçons, como tudo o mais, são o que hoje se classifica como “caretas”. Mas, tudo bem, não sou moderno mesmo, e pra falar a verdade, sou o próprio “careta”.

As mesas estavam quase todas vazias. Assentei-me numa qualquer e pedi um chope. O garçom me atendeu vagarosamente com os seus pés cambaios – todos os garçons, andarilhos que são, têm pés cambaios – e me fez perguntas que eu não soube responder. Mesmo porque ando meio (ou totalmente?) surdo. Respondi apenas com um sorriso. Ele entendeu.

É bom beber um chope num bar deserto. Não há barulho, confusões, nem mesmo um velho amigo que o reconheça  e comece a fazer perguntas. Além disso, é acolhedora a solidão acompanhada de um copo à frente. E um copo de chope não é nada. Aí me lembrei de Raymond Aron, em 1933, no café Bec du Gaz, em Paris, dizendo a Jean-Paul Sartre: - Olha, meu amigo. Se você está empunhando este copo de conhaque, você está falando de filosofia. Sartre ficou atônito. Era o começo do Existencialismo, baseado na fenomenologia de Husserl e Kieerkegaard.

Contudo, longe de mim essa de ficar filosofando diante de um copo de bar. Resultaria em filosofia barata, ao cabo da qual, ai de mim, perambularia o fantasma de um episódio depressivo. O melhor é pensar, à maneira de Gertrude Stein, que um chope é um chope, é um chope... Apenas isso. Dentro desse pragmatismo,  bebi  o chope, pedi mais dois, afinal estavam bem gelados. Fiquei meio alegrinho e confesso que tive vontade de continuar tomando chopes. Mas, pensando bem, pra quê? É um deleite tão fugaz, com perspectiva de rebote, que achei melhor pedir a conta. Fiz isso, paguei, abri a porta do carro e, em direção à monotonia da minha vida, pensei que, por enquanto, que diabo, as coisas não andam tão ruins, dá para empurrar mais um pouco. Para que complicar? E largando Sartre de lado, solfejei os versos de Noel:

Um dia eu passo bem,  
Dois ou três eu passo mal.
Isso é muito natural...”

É bom beber um chope num bar deserto...


(*) Esta crônica saiu em O&B  no dia 9 de outubro de 2012. Volta a ser publicada agora para lembrar o saudoso Carlos Alberto de Barros Santos, grande médico e escritor colhido, por capricho da Intempestiva na Páscoa de 2013, que sempre prestigiou o blogue  com sua qualificada colaboração. (NM)




4 comentários:

  1. Nilseu, tudo bem que em Paris a filosofia acontecia nos Cafés e não era barata. Mas Universidade de Bar e Filosofia do Chope só acontece mesmo no Brasil. E isto não tem preço! É relíquia. É sensacional.

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  2. Nilseu, obrigado por ainda se lembrar de mim, ainda que eu responda ou comente tão poucas vezes esses deliciosos escritos. Adoro esse seu tom meio brincalhão, meio saudoso, bastante literário, típico das crônicas de nossos bons artistas de décadas passadas. Bom seria ler tudo isso a uma mesa de um bar deserto, como preferia seu amigo Carlos Alberto, diante de uma cachaça e uma brahma, que prefiro a chopp... Mas eu teria de ter um laptop, modernidade que ainda não adotei. É bom, é muito bom ler suas crônicas. Abraço.

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  3. Querido amigo,
    desculpe a demora em me manifestar... Acontece que você me mandou essa mensagem como um presente, já que era o dia do meu aniversário. Mas foram tantas as manifestações de amigos nesse dia - no facebook, aqui na minha caixa postal e ao vivo - que até hoje não consegui responder a todos, nem pôr em dia minha correspondência virtual! E eu vou me queixar disso??? Claro que não!. Assim sendo, só agora pude sorver a crônica melancólica de nosso querido Neném, como sempre, um primor! E quanto ao seu texto, cuja autoria está modestamente camuflada nas suas iniciais, ainda vou lê-lo com o vagar e o carinho que merece. Por favor, me aguarde mais um pouco!
    Abraço afetuoso,
    Angela

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  4. Tive problemas com meu computador e com o programa de mensagens desde o início de fevereiro, e somente agora consegui ler esta sua delicadeza.
    Já havia visto aquela postagem sobre o Dr Carlos (eu só o chamava assim, ele tinha um pouco de antipatia de ser reconhecido como "doutor" - e pra piorar, às vezes o chamava de "Seu Carlos", quando ele soltava aquela risada gostosa e carinhosa, com os olhos semicerrados e logo em seguida, passando as mãos sobre a vasta cabeleira branca... ô saudade, hein!?!?!?).
    Também li outro dia a postagem sobre Paulo Mendes Campos, com várias artigos, um deles do Dr Carlos, sobre um encontro aqui em BH, pouco antes do falecimento do cronista.
    Como lhe disse, acompanho sempre o seu blogue. Parabéns pelo trabalho e por manter viva a memória do saudoso "Velho", que era mais um dos seus grandes admiradores.

    Um cordial abraço, e a admiração do
    Carlinhos Barros Santos

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