O Mercado Central é perfumado e colorido, vivo e, com estilo, oferece em BH o mais alegre, o mais saboroso, deste Planeta misterioso chamado Minas Gerais. Em escala superlativa, é como a famosa “venda” que o calango de Miltinho Edilberto proclama, lá do Jequitinhonha: “Na venda do seu Lidirico // tem de tudo e cada coisa que tem eu explico”. Flagrante, aí, ainda assim legítima, a licença do cantador, porque explicar é desvendar o nome e a imagem que lhe corresponde, o seu espelho e metáfora, revelação e afirmação da existência.
Tem canário, periquito, gaiolas de fino lavor, tem alpiste, tem painço, tenebrium para as ninhadas, tem porquinho da Índia e coelho, e filhote de cachorro; tem pombas, faisões, galos tristes, marrecos de muitas cores, patos fanhos, e gansos de aflito grasnar. Peixinhos coloridos para o aquário do menino; para a moqueca, limpos, repartidos em postas, robalos, surubis, badejos, crustáceos frescos de excelente parecer, e as ervas requeridas, salsa, cebolinha, loro, coentro, cominho, e alho, cebola, pimenta comari e malagueta, tomate madurinho, e açafrão, só pra dar o tom.
Flores? De
todas as cores, vermelhas para a namorada, rosas rosa para a companheira da
vida inteira, pra mulher solteira e pra mulher casada, flores para o casamento
e para o aniversário do casamento, para o batizado e também pra outros que
tais, mas, aí, melhor é bater na madeira com o nódulo do indicador e nem pensar.
Primor de frutas no Mercado: laranja, manga, abacaxi descascado, uvas, maçãs,
peras, jacas, araticuns, frutas do conde, amoras e carambolas, e pequis do mais
rico olor, basta um pra perfumar a estação, mexericas, lima e limão, morango,
melancia e melão, pêssego, caqui, lichia, e muita fruta esquisita. É claro que tem
abacate, tem banana e mamão, e “papaia”, que seria a mesma coisa, não em Cuba,
onde remete a outros sabores.
No grande Mercado,
meu irmão, tem as ervas, cascas, raízes e sementes da nossa panaceia vegetal:
“pra rins, próstata e coração”, as folhas da cavalinha; azeitona do mato, unha
de vaca, cipó caboclo, embaúba branca e chapéu de couro para depuração e
diurese, buchinha contra asma e sífilis; tem raiz de graviola, tem jalapa; pra
curar quebranto e rebater mau olhado, rosmaninho (ou alecrim) e semente de
sicupira pra quebrantar o azougue da cachaça. Se não te avéns com os viagras,
“pra natureza, é um colosso”.
Tem peneira
e tem penico, e tem fieira e pião, bolinhas de gude, papagaio com carretilha, pronto
pra empinar, tem frigideira, tem bule, e panela de ferro, de pedra, de barro, querosene
para a lamparina, camisinha para o lampião; tem balaio e cesto de tudo que é jeito,
rede pra dormir e pra namorar, e moinho, almofariz, pilão, farinha de milho e
de mandioca, pro tropeiro, pra farofa e pra paçoca, pra tutu e pra tapioca, e
tem caniço e apito, nisso igual à venda do seu Lidirico. Tem carne de sol, tem
anzol, sanfona, e viola-também-tem. Pagode, é. Tem pagode! E tem moda pra gente
escutar: “Nasci lá na cidade e me casei na Serra // com a Mariana, moça lá de
fora;// Eu estranhei os carinhos dela // e disse adeus Mariana, que eu já vou
embora...”
E artigos de
preceito para o despacho ao santo de cada um, defumadores, velas, incensos,
estatuinhas para o peji, “Eparrei, Iansã!”, “Axé opô ajonjá, Xangô!”, “Laroiê,
Exu!”, “Saravá, Oxalá, meu pai!” “Saravá a todos os Orixás!... E imagens de
qualquer santo de tua devoção, tem São Pedro, Santo Expedito, São Francisco e
São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, tem Santa Rita e São
João, São José, São Sebastião... Agora o
seguinte: Santo Onofre, São Xisto e São Calisto, se tem lá, eu nunca vi.
Queijos, tem
pra todo gosto, curado, de meia cura e fresco, do Serro, da Serra do Salitre e
da Canastra, e doce de leite, goiabada, requeijão moreno de Montes Claros, doce
de figo e, feito em reclame de circo,
tem marmelada? Tem, sim senhor. E tem frutas em calda e cristalizadas, abacaxi,
figo, cidra e laranja, limão... Também, biscoitinhos delicados, brevidades,
quebra-quebras, sequilhos e amanteigados , uhmm! quitandas de Minas, sa`com´é.
E aqueles
bifes acebolados, que a gente come em pé, encostada nos balcões das bitacas, hem?
Tem de alcatra e de fígado e, pra quem goste, jiló frito, chouriço, bife de
pernil, de lombo, e cachaça de Salinas, que também pode ser de Januária ou de
outras águas, sem desdouro, sempre a melhor guia pra cerveja tão gelada!
E tem
batatinha, daquela que, “quando nasce, se esparrama pelo chão”, pra chegar
“palha” com o “strogonoff” ou, também, muito “sotée”; e batata doce e baroa, cenoura e beterraba, além
de outros tubérculos e raízes que enriquecem o cozido: mandioca, araruta, gengibre,
inhame, nabo, cará... As verduras: pés de
alface, dentes de alho, cabeças de cebola, corações de alcachofra, catacreses
de muito sabor; e couve, couve flor, repolho, rabanete, brócolis, mostarda, almeirão, agrião, espinafre, ora pro nobis, munheca de samambaia, hortelã, palmito, chicória, taioba,
aipo, berinjela, pepino, abóbora e moranga, jiló, maxixe, quiabo, tomate, salsa e cebolinha de cheiro, sálvia, alfavaca, manjericão. E tem cravo e canela, tudo quanto é tipo de pimenta e muito mais.
O inverno
chegou devagar, mas o tempo, enfim, esfriou, o que fica bem consignado no céu
de topázio claro das manhãs de BH, e também no Mercado, é claro. Nas bancas de
leguminosas de prestígio, feijão, ervilha, grão-de-bico, hás de encontrar nesta
época, também umas favas muito ricas . Depois é ires às que vendem pertences de
feijoada, linguiças, chouriços, paios e outros embutidos, e carne de porco
defumada, costelinhas, lombo... E já podes improvisar em nossas latitudes
tropicais uma “fabada” que não será asturiana, mas digna poderá ser. A receita?
Aí vai:
Les fabes (*)
Tres cuartos de kilogramo
De alubias de La Granja
O, simplemente, de fabes;
Unas morcillas de cerdo,
Chorizos, tres, pero buenos,
Medio kilo de lacón,
Tocino, un ciento de gramos;
Y la cebolla, que alegra
La mesa del pobre, y cualquiera,
También se va a la cazuela,
Pero de visita, no más,
Como el perejil: las dos
Se irán a media cocción,
Dejándoles los inciensos
De sus almas vegetales,
Como un regalo a les fabes.
Un chorro de aceite virgen
Les buscará los olores
Y los sabores más hondos.
Ajitos harán más ricas
Les fabes
y lo demás;
Y el misterioso azafrán
Tostado ligeramente
Les dará colores mágicos
De viejo oro cantábrico.
Mas la simple añadidura
De ingredientes de precepto
No consigue una fabada:
Hay liturgias hieráticas
Y protocolos formales,
Conjuros muy ancestrales,
Para que sea realizable.
Refiérense a lo del fuego,
Al hervor y al remojar;
Disponen sobre criterios
Y el orden de sazonar;
Sobre el tiempo en la cazuela,
Y el modo de sacudirla,
Y a los pequeños rituales
Que propician a les fabes
Y ablándanles el espíritu.
Quizás la repetición
De unas antiguas palabras
Que se hubieran pronunciado
Bajo la sombra de un tejo
O un añoso carbayón,
Viejas palabras insólitas,
Para oídos iniciados.
Y si los procedimientos
Se van de conformidad
Con el misal de les fabes,
El de ponerles a la mesa
Es un glorioso momento.
(*) Para um “luso-hablante”
é sempre complicado encarar o Idioma de Cervantes, mesmo num texto elementar e
banal como esta receita de favada, escrita num contexto que só se salva pelo
conteúdo afetivo, o do “Romance de estereotipos asturianos com fabes”, de 1999,
publicado em “Ibero-Americanidades – Açucenas para Sevilha” – Edições C.L.A. –
2008. A solução, então, foi recorrer à minha amiga Maria Luisa Laviana,
historiadora e escritora. Ela livrou o texto original de vícios de sintaxe,
solecismos, lusitanismos, e falsos cognatos, o que permitiu compartilhá-lo sem
constrangimentos. Ela é andaluza de Sevilha, mas, de pais e avós asturianos, pôde
outorgar com plena autoridade foros de genuínos e esses “fabes”. Obrigado.