Conversa
fiada depende das disponibilidades de tempo e presença em locais onde se possa contar
uma história, uma anedota, à toa, descansadamente, admitindo, claro, a
participação de algum apressado que chega, conta ou ouve qualquer banalidade e
vai embora. Pode começar pela mais prosaica das indagações meteorológicas: Será
que hoje chove? Mas também de qualquer outro jeito. Se vai acabar, e onde, é
outra questão, porque flui em círculos e raramente é conclusiva. Nos
parlamentos, concílios, conclaves, congressos, seminários e que tais também é
assim, mas qualquer comparação para por aí, por lhes faltar o ócio genuíno e
desinteressado.
A essência do conversar fiado é a gratuidade,
que permite a agregação de contribuições a uma anedota ou a uma história qualquer,
de papagaio, pescador, de padre, de garimpeiros, caçadores, pícaros, valentões,
e histórias de amor e sedução... Essas
histórias, às vezes, transbordam das comunidades em que foram engendradas e, em
alguns casos, o continuo processo de aprimoramento as eleva à dignidade de
patrimônio de toda a Humanidade. Jorge Luís Borges atribui aos “mentideros” do
Oriente, cujo cerne é a conversa fiada sem meias nem peias, boa parte da
gestação do Livro das Mil e Uma Noites, livro de todos nós. Fora isso, numa boa
conversa fiada ninguém ganha nada, mas, também, não perde.
Afã de
companhia, espairecimento ou diversão, lazer, sei lá! O prazer ancestral de conversar fiado é um modo universal de
convivência, por metonímia, a própria convivência, cujas origens perdem-se no
tempo em que grandes primatas começavam a articular as primeiras palavras na
recôndita escuridão das cavernas. E vem, desde então, renovando-se, adaptando-se
a peculiaridades geográficas, de clima, ambiente, cultura. Nômades dos desertos
do mundo, pastores das estepes ou das montanhas, caçadores, pescadores polinésios e baianos cultuaram, sempre, a
conversa fiada, em volta de uma fogueira, na praia, à sombra de uma grande
castanheira num pequeno passeio, ou de um pé de jatobá antigo, numa praça
antiga... É conversar, contar e ouvir histórias, rirem juntos, ou até chorar,
a instâncias de um relato comovente de peripécias que a condição humana imponha.
Mulheres reunidas junto à fonte, enquanto esperam a vez de encher seus
cântaros, conversam, conversam. Na beira do rio, as que lavam roupa, se não
estão cantando, também conversam... As coisas mudam, mas nem tanto. Se a chuva
não passa, e enquanto a Peste não vai embora, como nos tempos de Boccaccio, o
jeito é contar história.
Mas,
e o botequim?
Em
esquinas e praças de cidades grandes e pequenas, em velórios, vendas de secos e
molhados, portas de igreja, feiras, mercados, salões de beleza e de barbeiro,
salões de sinuca, pontos de táxi, bordéis, é a conversa fiada que nutre a
convivência. Admitamos, porém, que a catedral onde se celebram seus grandes e
pequenos mistérios, gozosos e gloriosos, uns, outros nem tanto, é mesmo o
botequim, onde tudo reverbera: Saúde! (NM)