Nilseu,
Clóvis está escrevendo
e descansando em Monte Alegre do Sul, SP, e está encantado com o lugar. Na
viagem de ida, precisou pegar quatro ônibus. No primeiro, de BH a Três Corações,
teve como companheiro de assento um senhor que vinha do Mato Grosso, e foi sobre esse encontro que ele
escreveu.
Marilia
Clovis Salgado
Gontijo Oliveira
Apesar de um pouco longa, gostaria de partilhar esta reflexão
com os amigos andarilhos e com aqueles que acompanham minhas buscas e andanças.
Chi son? Sono un poeta.
Che cosa faccio? Scrivo.
E come vivo? Vivo.
Che cosa faccio? Scrivo.
E come vivo? Vivo.
Quando criança gostava de cantar este trecho da célebre ária de
Puccini. Décadas depois, continuo a entoar as mesmas perguntas. Outras, nesse meio
tempo, descobri em mim. As antigas tinham então respostas curtas e simples,
como a própria infância. Hoje, mais que poeta, sou peregrino. O que faço? Caminho. Minha identidade é a busca, a pergunta. Empreendo a marcha para
colher respostas. Nesta, como em outras caminhadas, fecho a porta para subir a montanha. Quero
estar a sós com as minhas perguntas. Temo a chegada de outras. Há tempo de
perguntar e há tempo de responder. Ilusão? Estas palavras o sábio não diz. Mas
assim quero crer, para não me perder.
Faço uma pausa na travessia extenuante da vida, mudo de direção, busco uma canção capaz de embalar os meus passos pelo percurso rumo a um “por quê?” talvez sem resposta. Warum? Em outras viagens, acreditei, por angústia ou tentação, nos “oráculos tagarelas”. Incoerência de quem ainda não havia provado e comprovado uma de suas principais matérias de estudo, com fortes ressonâncias na vida: só como graça as respostas são colhidas. De onde então elas vêm? Do silêncio de Deus ou do piar das andorinhas?
Após algumas caminhadas, sei que, quando sintonizado com a minha
“solidão sonora”, sou capaz de reconhecer certas fontes de paz. Contudo, também
há a resposta que, inesperada, brota da voz do próximo. Se conservo um par de
ilusões, outras já perdi. Não sem tropeços, agora sei que as respostas não são
pedras prontas a nos aguardar por séculos ao longo da vereda. Há pedras que só
se cristalizam a quatro mãos, a duas vozes. Mal ponho o pé na estrada, uma nova
voz se apresenta. Seu sotaque gaúcho me acompanha da capital a Três Corações.
Quatro horas partindo do mais superficial com destino ao mais profundo.
– Viemos combinando a camisa.
Falou da longa viagem que acabara de fazer, do trabalho, da
cidade natal, da mudança a terras mato-grossenses e, até mesmo, de um risco
corrido na infância. Mencionou, logo de início, ter tido três filhos: um rapaz
e duas moças. Fazia exatamente nove anos que o primeiro, o mais velho, havia
deixado este mundo. Precisaríamos de alguns quilômetros de confiança para que
aquele senhor de 68 anos desvelasse algo da sua dor maior. Certamente se abriu
por encontrar no companheiro de viagem alguns traços do filho: nascido apenas
dois anos antes de mim, também fora professor e nunca se interessara em
dirigir. Mas, rodovia afora, não só ele se abria. Coloquei-o a par dos
meus projetos, relatei frustrações, temores, conquistas, novos desafios. Sentindo,
como bom pai, uma lacuna na minha fala, lançou-me a pergunta decisiva. A sua
viagem já chegava ao fim. Com sinceridade, respondi e me justifiquei. Refletiu
por alguns instantes e, por fim, ponderou:
– Deus nos deu a audição para ouvirmos o que vale a pena. Este é
o sábio.
O tempo se estendeu à medida que o motorista reduzia a marcha.
Às vezes a colheita mais fecunda se dá no prelúdio da jornada. Apertei com
gratidão a sua mão e, emocionado, vi as lágrimas clarearem o azul escuro dos
seus olhos miúdos. Ainda acenei para ele da janela do ônibus, enquanto,
afobado, remexia com a outra mão a mochila, procurando onde registrar tão
precisas palavras. Também desejo ouvir – e, se possível, voltar a ouvir – o que
vale a pena. Sinto que a resposta do pai não havia sido pedra pronta. Este é o sábio. E este
foi um encontro.
Assim se constroem as respostas para as perguntas que hoje canto.
Assim se constroem as respostas para as perguntas que hoje canto.