segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Pontes, montes, e o DNA da Língua Portuguesa


Dois amigos queridos do blogueiro, um casal, têm o privilégio de viver na cidade encantada de Sevilha, de caminhar pelas margens do Guadalquivir em qualquer esplêndida manhã, ao entardecer, depois que o calor do verão se deixa abrandar por alguma brisa vinda não se sabe de onde, ou na noite estrelada que, sempre, tarda em escurecer nessa estação. As pontes do Guadalquivir, a de Triana em primeiro lugar: podem cruzá-las em qualquer sentido, parar no meio pra contemplar a Lua refletida nas águas mansas. As torres, claro, as torres... as da Catedral, a Giralda, camafeu que enfeita o colo da cidade amada de João Cabral, amada como se fosse uma mulher, e a Torre do Ouro, debruçada sobre o rio que, sempre embevecida, contempla. Mas tem outras, muitas outras, todas bonitas, esguias, alçando-se para o azul alto para alardear antigos foros de velhas igrejas no Casco Histórico.

(O postal de Sevilha é de Akiro Arrakis)

Às vezes, porém, o Sol da Andaluzia exagera, obrigando os sevilhanos a buscar refresco: um “vasito” de vinho, uma “sangria”, cerveja... Calma, gente! Também pode ser um sorvete de baunilha. Camisetas para venda aos turistas, nas calçadas perto da Catedral ou em qualquer loja de “souvenirs”, trazem consignado em bom andaluz: “!Ojú, que caló!”. O blogueiro havia registrado "Juó, que caló", mas Maria Luisa mandou a correção. Precisão linguística: O elfo da errata fez você escrever “!Juó, que caló!” quando o que você queria dizer é “Ojú, qué caló”,  onde isso “Ojú” é a deformação andaluza de “Jesus”, e também é dito “Ozú” e “Osú”.

Não dá pra todo mundo migrar pra longe do calorão. Os meus amigos, porém, podem “voar” para o Norte, feito as andorinhas, para temperaturas amenas, aprazíveis. Em plena arribação, mandam notícias:

- Hoy ya hemos entrado en Asturias, por las tierras de la Senda del Oso y las Xanas.

Dá pra adivinhar a alegria deles dois ante o verdor deslumbrante das montanhas e vales asturianos, na aragem fresca que perfuma o verão cantábrico. No inverno é diferente, mas ursos gostam muito. Ó esplendor de montes recortados contra o ocaso, silhuetas de puro encanto! Astúrias, Astúrias...  Embalada pelos sons estrídulos de gaitas de fole herdadas de celtas ancestrais, uma velha canção proclama: De la corona del cielo // una esmeralda cayó. // Esa esmeralda es Astúries.

Antes, passaram pela Galícia: monasterios románicos, naturaleza esplendorosa de verdes valles, suaves montañas, hermosas playas, impresionantes acantilados. Y temperatura deliciosa, frente a la ola de calor que agobia estos días a gran parte de España. E mandaram fotos, uma tomada na Praça Maior de Lugo, la bonita e tranquila capital de la província galega que hemos recorrido estos dias, outra, de um cartaz que adorna el paseo marítimo de Foz, otra bonita ciudad lucense. Creo que te gustará leer esas aleluyas galegas.


O blogueiro gostou demais dessas “aleluyas”, tanto  que as posta aqui, para quem não sabe nem nunca soube, ou para espevitar a memória de quem já soube, mas esqueceu: a Galícia é o berço da Língua Portuguesa; traços vivos de DNA da nossa “Última flor do Lácio” (*) ainda estão lá.


(*) Língua Portuguesa – Olavo Bilac



Tempo de incomunicação, tempo ruim

Na postagem precedente, referência ao soneto de Bilac, que O&B acolhe, como sugestão. A Língua Portuguesa pode ser muita coisa, estrela cadente, cometa ou, leviana e precária, uma caravela de luz: em tempo de intolerância, soçobra e se apaga no mar da incomunicação.

Para que, para quem, a Língua Pátria bebida no leite materno e na magia dos primeiros livros escolares? Onde o convívio amável pela palavra, a fraternidade, em tempos de aleivosia e vitupério, tempos sombrios!   

A Língua Portuguesa? Muito mais  sepultura, menos esplendor. Senhor Bom Deus dos Brasileiros, miserere nobis!

Para espairecimento, O&B posta as sonoridades de “Língua Portuguesa”, que remetem a um tempo bom, em louvor da Musa parnasiana de Bilac:

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arroio da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!" 
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!