Dois amigos queridos do blogueiro, um casal, têm o privilégio de viver na cidade encantada de
Sevilha, de caminhar pelas margens do Guadalquivir em qualquer esplêndida
manhã, ao entardecer, depois que o calor do verão se deixa abrandar por alguma
brisa vinda não se sabe de onde, ou na noite estrelada que, sempre, tarda em
escurecer nessa estação. As pontes do Guadalquivir, a de Triana em primeiro
lugar: podem cruzá-las em qualquer sentido, parar no meio pra contemplar a Lua
refletida nas águas mansas. As torres, claro, as torres... as da Catedral, a Giralda,
camafeu que enfeita o colo da cidade amada de João Cabral, amada como se fosse
uma mulher, e a Torre do Ouro, debruçada sobre o rio que, sempre embevecida, contempla.
Mas tem outras, muitas outras, todas bonitas, esguias, alçando-se para o azul
alto para alardear antigos foros de velhas igrejas no Casco Histórico.
(O postal de Sevilha é de Akiro Arrakis)
Às vezes,
porém, o Sol da Andaluzia exagera, obrigando os sevilhanos a buscar refresco: um
“vasito” de vinho, uma “sangria”, cerveja... Calma, gente! Também pode ser um
sorvete de baunilha. Camisetas para venda aos turistas, nas calçadas perto da
Catedral ou em qualquer loja de “souvenirs”, trazem consignado em bom andaluz:
“!Ojú, que caló!”. O blogueiro havia registrado "Juó, que caló", mas Maria Luisa mandou a correção. Precisão linguística: O elfo da errata fez você escrever
“!Juó, que caló!” quando o que você queria dizer é “Ojú, qué caló”, onde isso “Ojú” é a deformação andaluza de
“Jesus”, e também é dito “Ozú” e “Osú”.
Não dá pra todo mundo migrar pra longe do calorão. Os meus amigos, porém, podem “voar” para o Norte, feito as andorinhas, para temperaturas amenas, aprazíveis. Em plena arribação, mandam notícias:
Não dá pra todo mundo migrar pra longe do calorão. Os meus amigos, porém, podem “voar” para o Norte, feito as andorinhas, para temperaturas amenas, aprazíveis. Em plena arribação, mandam notícias:
- Hoy ya hemos entrado en Asturias,
por las tierras de la Senda del Oso y las Xanas.
Dá pra
adivinhar a alegria deles dois ante o verdor deslumbrante das montanhas e vales
asturianos, na aragem fresca que perfuma o verão cantábrico. No inverno é
diferente, mas ursos gostam muito. Ó esplendor de montes recortados contra o
ocaso, silhuetas de puro encanto! Astúrias, Astúrias... Embalada pelos sons estrídulos de gaitas de
fole herdadas de celtas ancestrais, uma velha canção proclama: De la corona del cielo // una esmeralda
cayó. // Esa esmeralda es Astúries.
Antes, passaram
pela Galícia: monasterios románicos,
naturaleza esplendorosa de verdes valles, suaves montañas, hermosas playas,
impresionantes acantilados. Y temperatura deliciosa, frente a la ola de calor
que agobia estos días a gran parte de España. E mandaram fotos, uma
tomada na Praça Maior de Lugo, la bonita
e tranquila capital de la província galega que hemos recorrido estos dias,
outra, de um cartaz que adorna el paseo
marítimo de Foz, otra bonita ciudad lucense. Creo que te gustará leer esas
aleluyas galegas.
O blogueiro gostou demais dessas “aleluyas”, tanto que as posta aqui, para quem não sabe nem nunca soube, ou para espevitar a memória de quem já soube, mas esqueceu: a Galícia é o berço da Língua Portuguesa; traços vivos de DNA da nossa “Última flor do Lácio” (*) ainda estão lá.
(*) Língua Portuguesa – Olavo Bilac
Tempo de
incomunicação, tempo ruim
Na postagem
precedente, referência ao soneto de Bilac, que O&B acolhe, como sugestão. A
Língua Portuguesa pode ser muita coisa, estrela cadente, cometa ou, leviana e
precária, uma caravela de luz: em tempo de intolerância, soçobra e se apaga no mar
da incomunicação.
Para que,
para quem, a Língua Pátria bebida no leite materno e na magia dos primeiros
livros escolares? Onde o convívio amável pela palavra, a fraternidade, em tempos
de aleivosia e vitupério, tempos sombrios!
A Língua
Portuguesa? Muito mais sepultura, menos esplendor. Senhor Bom Deus dos Brasileiros, miserere nobis!
Para
espairecimento, O&B posta as sonoridades de “Língua Portuguesa”, que
remetem a um tempo bom, em louvor da Musa parnasiana de Bilac:
Última flor do Lácio, inculta e
bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e
obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arroio da saudade e da ternura!
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arroio da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu
aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Lindo, Nilseu! Amei!
ResponderExcluirObrigado, Magda. Bom que tenha gostado, mas você não tem a menor isenção.
ExcluirCaro Nilseu:
ResponderExcluirAcabo de ler o seu "Ociosidades e bagatelas". Como observador deste mundo e da vida, é preciso que escreva mais, com sua capacidade de observação e a experiência de muitos anos de jornalismo independente. Parabéns e obrigado pelas palavras sobre o "Ouro Preto na história".
Mauro Werkema
Ô, Mauro,
ExcluirObrigado pelas palavras amáveis. Quanto ao seu livro, você escreveu uma obra prazerosa, necessária e essencial sobre a nossa veneranda Ouro Preto.
Seja bem-vindo de volta, Nilseu. Um privilegiado, por poder revisitar a Espanha nestes tempos ásperos da língua portuguesa. Muita paz para todos nós.
ResponderExcluirAbraço,
José de Castro
Paz, prezadíssimo Zé. É o de que mais necessitamos no momento. Grande abraço
ExcluirSuas reflexões, sempre poéticas, nos fazem caminhar pela Espanha, Nilseu. E eu, que estive em Sevilha por três dias, volto a admirar em pensamento seu céu estrelado.
ResponderExcluirObrigado, Angela, pelas palavras amáveis. Bom demais ter sua presença aqui em O&B.
ExcluirOlá, Nilseu
ResponderExcluirMe deu uma vontade danada de conhecer Sevilha.
Abraço
Vital
Ô J.D. A Andaluzia é ali mesmo. Vá logo que vale muito a pena. Grande abraço,
ExcluirNilseu
Amigo Nilseu:
ResponderExcluirQue prazer ler a poesia de suas Ociosidades, prazer maior quando o foco inicial tem o calor de Sevilha. Sevilha e La Maestranza barroca, exibindo-se pelos anos afora em branco, amarelo e vermelho, palco perfeito para Bizet finalizar, com sangue e paixão bem ibéricos, a história da ardente e fatal Carmen. La Maestranza, onde Joselito, el Gallo, encantou tantas tardes de toros, Joselito, que presenteou Nuestra Senõra de la Esperanza Macarena com as cinco mariquillas que la Virgen Macarena exibe nas procissões de viernes santo até hoje, mas que não bastaram para que ela o protegesse dos mortais chifres do touro Bailaor numa tarde de primavera, em Talavera de la Reina.
Do calor da Andaluzia, extremo sul, você nos leva ao extremo norte da Espanha, às montanhas geladas da Cordilheira Cantábrica, abrigo dos guerrilheiros espanhóis que resistiram à invasão muçulmana , desencadeando uma resistência e uma guerra de reconquista que durou quase oitocentos anos. Não esqueceu a Galiza, onde Santiago de Compostela se debruça sobre o Atlântico, transformando o mar, nos pores do Sol, em imensos campos de estrellas , que se perdem em direção ao Brasil. Você se lembrou muito bem: da Galiza, com a guerra de reconquista se estendendo mais para o sul, surgiria o galego-português, que originou o nosso idioma, nosso português com açúcar, falado por mais de duzentos milhões de brasileiros, 80% dos falantes desse idioma no mundo. Mais do que de Bilac, a língua de Guimarães Rosa, de Graciliano Ramos e de Carlos Drummond.
Parabéns pela sua sempre excelente performance, Nilseu! Fica a recomendação: deixe um pouco as artes da sinuca de lado, para continuar nos presenteando com seus impagáveis textos.
J.M.Santos
Obrigado por suas palavras amáveis. É bom ter sua companhia em qualquer passeio pela Espanha, que você tanto ama e admira.
ExcluirGrande Nilseu e seu dueto com os idiomas da Península Ibérica, e, em especial, da pareja andaluza! De fato, você sabe se divertir com o blog das bagatelas. Aliás, tomei uma providência prática para não ficar tanto tempo sem conferir: lembrei-me de colocar Ociosidades & Bagatelas na minha página de Favoritos.
ResponderExcluirUma boa noite e meu abraço.
Lélio
Ô, Lélio,
ExcluirObrigado. É sempre receber a palavra, sonada, é verdade, mas generosa e amiga de um notívago. Boa noite pra você também.
Querido Nilseu:
ResponderExcluirMe ha encantado tu relato, que me ha hecho revivir los preciosos días pasados en Galicia y Asturias, donde muchas cosas me hacían recordaros a Rosa y a ti, con quienes teníamos previsto haber hecho ese viaje.
Como siempre, es un placer leer tus Ociosidades, y también los comentarios de tus amigos. Me has alegrado el día. Y como decía Benedetti, hay que defender la alegría en estos tiempos revueltos, llenos de negros nubarrones en el horizonte. Me preocupa la situación política de Brasil, que nos afecta a todos...
Un gran abrazo,
María Luisa
Querida Maria Luisa,
ExcluirQue alegria ter você aqui em O&B, que você enriquece e alenta com sua presença e seus comentários preciosos! Obrigado também pela correção da interjeição andaluza: "!Ojú, que caló!"
Nilseu,
ResponderExcluirBelo e chic como sempre, porém, sem ser metido.
Gerrô
Ô, Gerrô,
ExcluirAssim você exacerba a autoestima de qualquer blogueiro!
Obrigado