(José Daniel Machado)*
Todos os entendimentos que os homens têm da Natureza podem ser agrupados em dois campos distintos e inconciliáveis:
No campo A encontram-se aqueles que acreditam
na existência de um (ou vários) sujeitos da criação transcendental que, do lado
de fora, num dado momento, criou livremente a Natureza e todos os seres que
estão nela, visando uma finalidade. Esse criador possui poderes absolutos e,
quase sempre, tem forma e sentimentos humanos - é antropomórfico. Senhor dos
destinos, ele pode modificar, se quiser, aquilo que ele mesmo criou - milagres.
Nesta criação o homem é o centro da Natureza, dotado de livre-arbítrio para uns
e/ou é predeterminado pelo criador para outros. Criador e criatura têm relacionamento
transcendente.
No campo B encontram-se aqueles que entendem
que a Natureza é causa de si e causa imanente de todos os seres que estão nela.
Neste caso, não existe sujeito da criação. A Natureza se autoproduz numa
ordem necessária segundo as suas próprias leis eternas, gerando,
concomitantemente, os seres finitos e singulares que dela participam
expressivamente. Estes seres - os homens, por exemplo - têm com a Natureza um
relacionamento imanente.
Os adeptos do campo A são amplamente majoritários,
dele fazem parte filósofos, profetas, teólogos, religiosos e quase a totalidade
do vulgo. O campo B é minoritário, sendo constituído de filósofos e cientistas
naturalistas, além de poucos elementos do vulgo. Dentro de cada lado,
principalmente no campo A, existem inúmeros subgrupos proselitistas que,
frenquentemente, entram em conflito sangrento por intolerância, em defesa dos
seus dogmas e/ou pelo poder.
No campo A a verdade é revelada pelas Sagradas
Escrituras e no campo B é buscada pela luz natural - razão. Para os adeptos do
campo A a Natureza tem início, fim e, por óbvio, possui um antes, depois e lado
de fora da existência. Para os situados no campo B, infinitude e eternidade são
propriedades da Natureza; portanto, não há antes, depois e lado de fora. Para o
campo A, o homem está no tempo e entra na eternidade ao morrer. Para o campo B,
o homem está na eternidade e sai quando morre. Bem e mal são absolutos,
substanciais e não se misturam, para os adeptos do campo A. Por outro lado, os
do campo B entendem que são relativos; o que é bem para uns pode ser mal para
outros. O campo A depende de fé ativa; o campo B depende de entendimento
progressivo.
Muitos se reconhecem incapazes de distinguir
os dois campos e se declaram céticos; por isto suspendem o juízo (decisão).
Acham impossível entender plenamente a essência última das coisas. Para grande
parte, os dois campos lhes parecem imbricados e, inseguros, colocam um pé em
cada canoa. Poucos conseguem fincar os dois pés no mesmo campo.
Os adeptos do campo A se sustentam na
esperança de encontrar felicidade após a morte junto ao criador, depois de uma
vida ascética, piedosa, virtuosa e repleta de orações. Os adeptos do campo B
buscam a felicidade no entendimento progressivo da Natureza, da natureza das
coisas, principalmente, da humanidade, e da natureza de si mesmo.
Qual o seu campo?
* José Daniel Machado é economista de ofício, mas é desses cuja compreensão dos fenômenos da Economia e da vida vai muito além do que podem informar as ordenadas e abcissas do diagrama cartesiano e se ele esbarra, verbi gratia, com a classificação períódica dos elementos, não se deixar encabular ante tantas valências e possibilidades em meio às desconcertantes disposições de Mendelejev. Agora ele resolveu passear por veredas dialéticas (de Aristóteles), talvez um pouco por aquelas celestiais campinas de Santo Agostinho. Ora, bolsas! Quem conhece o Daniel sabe que ele pode ir a qualquer lugar e voltar com segurança. (nm)