"!!!Oh bella Galatea,
mas süave que
los claveles que tronchó la Aurora; (...)”
Don Luis de Góngora (Canto de Polifemo)
...quanta lua, meu amor, enluarando suas
varandas; perfumando a noite clara, quanto jasmim! E, no entanto, pesa-me o
recolhimento da murta, branca ausência em seu jardim florido; no escuro verdor
da folhagem espessa, ainda guarda brando manacá as essências misteriosas que
exalam o branco e o violeta quando, de mansinho, vem o rocio beijar-lhe as
pétalas, o que sempre deixa você com excelente disposição. Branda Lua afaga a
branca açucena, a açucena uns olhos brandos, de ametista muito escura.
Mal se percebe, tão quietas, o
murmúrio das estrelas, a noite esplende no silêncio cavo do nosso Planeta, nas
sombras, farfalham asas, mariposas, invejosas de impudicos pirilampos a
alardear núpcias cintilando graciosos arabescos em coruscante voejar rente à
grama úmida.
Quanta lua, meu amor, enluarando
suas varandas, a alta mansão, altas janelas, os beirais altos... Em adormecidos ninhos, o crepuscular azul das
plumas, um piripipi sutil, quase-gorjeio, andorinhas, ligeiras na hora de ir
embora, esperando a Aurora para a celebração de mais um dia.
– Pra quê tanto gerúndio, tanto hipérbato, sinédoques,
aliterações, essas hipérboles todas? Até quiasmos! Anáforas? E quanto afã de
cores vivas, adjetivos demais! Tudo bem, amor, mas chega de palavras. (NM)
Caro Nilseu:
ResponderExcluirUma surpresa essa NOITE QUASE BARROCA.
Só um escritor muito seguro pode criar um intervalo na sua prosa elegante e descolada para brincar com as palavras e nos presentear com esse texto irônico e até debochado. Embora o título , a epígrafe e o comentário metalinguístico que encerra o texto apontem para o Barroco, o que perpassa o texto é a sugestão romântica, presente no apelo amoroso, na paisagem noturna dominada pela Lua , pelas flores, pelas mariposas e pirilampos. A ironia evidenciada pelo uso de clichês próprios da tradição literária desmontada pelos modernistas nos espreita desde a epígrafe, ao identificar o eu do enunciado monstruoso com o ciclope Polifemo, ridículo na sua fealdade apaixonada pela graciosa ninfa Galateia.
Nossos melhores autores conseguiram surpreendentes resultados ao explorar possibilidades lúdicas na construção do discurso, como você fez com essa NOITE QUASE BARROCA, Nilseu. Drummond inicia seu mais polêmico poema com um quiasmo ("No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho"...). Bandeira jogou com as sugestões onomatopaicas mais de uma vez("Sino de Belém/ Sino da Paixão/Sino de Belém/Sino da Paixão/Sino do Bonfim"...). Guimarães Rosa fez uso não só da aliteração e da assonância na sua prosa, como chegou até a metrificar algumas passagens, como nesse parágrafo de O BURRINHO PEDRÊS, todo em perfeita redondilha menor: "As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão..."Chico Buarque chegou mesmo a exagerar no uso da aliteração mais de uma vez("...esperando, parada, pregada na pedra do porto...").
Assim, depois dessa sua construção de sabor paródico, fico na expectativa de outros deliciosos jogos verbais em suas futuras crônicas.
Um grande abraço!
José Santos
Caríssimo Zé Maria,
ExcluirSó posso dizer que seu comentário tem muito mais substância do que meu texto, meramente lúdico. É claro que as palavras generosas de meus amigos, com toda a presumível falta de isenção, alegram o meu espírito que, vaidoso até a medula, se enche de empáfia. Obrigado.
Nilseu