sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A nostalgia do mar de cada um

                                                                              Fisgado pelo enigma do peixe. De metal, sim,
mas azul, como deve ser um marlim



Mineiro tem nostalgia do mar, tão longe, a bramir 
ronco pra lá e pra cá, a branca espuma que, feito no bolero de Ari Barroso, “se desmancha na areia”. É tudo clichê, claro, mas, em se tratando de mineiro, não precisa ser abstrato nem de anedota, para, em algum momento nesta vida ou em passadas encarnações, para tê-la sentido com maior ou menor intensidade. Também não é preciso verão. Basta que esquentem uns dias de nossas primaveras tropicais    
para que venha aquela incoercível ânsia por brisas marinhas que, nos dias de hoje, remete diretoa praias do Nordeste, ensolaradas,águas mornas, bom demais. 

Até os anos 80 do século passado, o destino preferencial dos nostálgicos do mar era o Espírito Santo de incontáveis e encantadoras praias, umas de areia grossa, de um tom quase rosado à luz do entardecer, outras de areia fina e clarinha que o vento levanta sem esforço. Tem até praia de areias escuras, monaziticamente pretas. O clima é bom, o calor não a sufoca ninguém, e os capixabas, sempre gentis, põem à mesa moquecas inigualáveis, de camarão, de badejo, de badejo ao molho de camarão e a variedade inesgotável de combinações que lhes permitem a prodigalidade atlântica da costa e a riqueza de sua cozinha ancestral. Olor e cor, sabor e textura, e temos a moqueca para todos os gostos e sentidos. Todos? Não vá dizer que dá pra ouvir moqueca! Não. Realmente não dá, mas, atento ao som do mar batendo nas pedras, você completa a festa dos sentidos.


Mística ou não, a ânsia de liberdade, 
como manifestação, é sempre generosa













O versículo (Filipenses 4:13) faz o freguesa baixar o tom antes de entrar na loja, mas um blogueiro ocioso pode preferir, por menos belicosa, a tradução “Tudo posso Naquele que conforta” e, ainda, com alguma petulância, achar que não acrescente muita coisa ao salmo 23: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”.



                          



                                                     Badejo, moqueca, mistérios do marlim

Depois de mais de trinta anos de ausência, a gente mal pôde reconhecer Guarapari. A cidade cresceu bem cuidada, limpa, a orla foi urbanizada com o melhor critério, o comércio é movimentado, vivo, muitos hotéis, mas não há agitação demais. E cuidam eles lá, em Guarapari, de evitar ruídos desnecessários, feito aqueles com os quais temos de nos conformar, por exemplo, nas praias do Sul da Bahia. Caixas de som a todo volume nos carros, nem pensar. É desfrutar a água, areia, o drinque à sombra da amendoeira e, depois, ir às moquecas. A do Osmar, antiga, merece o prestígio que tem.

Quem se lembra da “Moqueca do Osmar” em seus primórdios, lembra-se de cabanas rústicas em que só contava, mesmo, o pescado posto à mesa. Hoje o restaurante está muito bem instalado, serviço muito bom, sem chegar a sofisticado, a comida deliciosa, no mesmo lugar, mas no segundo piso de uma espécie de sobrado. No primeiro, funciona, entre as tantas que pululam em Guarapari, uma igreja neopentecostal, claro indício de mudança de aprisco no antigo rebanho cristianizado pela pregação suave do padre José de Anchieta. A  recorrência de versículos bíblicos inscritos em  fachadas e placas de muitas lojas apenas confirma.


Se o céu de Castro Alves “é dos condores”, o mar do Espírito Santo é do badejo, do badejo e do marlim, peixe mitológico, epifania do próprio Posseidom, que atrai aventureiros do mundo àqueles páramos de luz. Por que insistem em pescá-lo? Talvez por contraponto a Moby Dick, a baleia branca de Herman Melville, que o capitão Ahab via como encarnação do Diabo, ou quem sabe ao peixe demiúrgico em cujo ventre de abismo, por três dias e três noites esteve retido o profeta Jonas. E não é preciso ser Santo Agostinho para render-se à tentação de desvelar mistérios, mesmo os que, enfim, são só do marlim. 

Voltar a praias do Espírito Santo, a Guarapari, depois de mais de trinta anos de ausência, é entregar-se à nostalgia da nostalgia do mar, deixar-se levar, nostalgia ao quadrado. (NM)

3 comentários:

  1. É uma boa mistura essa de sabores e religiosidade, tudo num clima de nostalgia que vale também para outros mares.

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  2. Fantástico Nilseu! Como é bom ouvir falar bem daquilo que agente tanto gosta. Viva o Espírito Santo! Obrigado e um grande abraço,

    Nélson Galizzi.

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