sexta-feira, 20 de maio de 2016

Se as montanhas cantam? Sim, elas cantam.






 iQué bien los nombres ponia
Quien puso Sierra Morena
a esta serrania!
     (Antônio Machado)


Canastra, Mãe das Águas (riosvivos.org.br)
Cáucaso, acorrentado num rochedo o destino de Prometeu, Ararat, porto e guarida da grande Arca; corte e conselho de deuses muito antigos, o Himalaia; passagem difícil para os elefantes de Aníbal, os Alpes; bijou ao pé do Mont Blanc, Chamonix exibe suas neves, no nome, o ritmo de redondilha. E os Andes, de Tupac Amaru, do lago Titicaca e do Urubamba, Olantaitambo, Machu Picchu, Huayná Picchu? Cordilheira, também, de alpacas e vicunhas, e do condor, sim senhor! Eleva-se na paisagem deslumbrante a “Sentinela de Pedra”, com suas torres brancas e o nome que merece o respeito dos homens e, na voz do hierofante, alegra mais que um salmo o coração dos deuses: Aconcágua!
Sempre a sonoridade grata, às vezes áspera, branda às vezes, nos nomes que, em toda parte, emergem da Terra ao levantar-se em direção ao céu alto e que se expandem pelo Orbe, música, como se as montanhas cantassem.  Les Pyrenées, os Picos de Europa, a Cordilheira Cantábrica; os Apeninos, montes da Itália e da Lua; e o Olimpo e o Parnaso, os Cárpatos, The Rocky Mountains, Fujiyama, Momotombo, da Nicarágua, feito o Vesúvio e o Etna é montanha que fuma e deita fogo; os Montes Atlas, Lalla-Kadidja e os demais; o Quilimanjaro, o Monte Quênia, mansão dos ancestrais Quicuios, guia e arrimo dos Mau-Mau. A gente pode até pensar se a glória de Roma seria igual sem a magia de suas colinas, impregnado de poesia o nome de cada uma: Palatino, Quirinal, Aventino, Monte Célio, Viminal, Capitólio, Esquilino... 

A Sierra Maestra acolhe aquele “cierbo herido” de Marti, “que busca en el monte amparo” e muitos cubanos pronunciam seu nome de puro encanto com reverências que só à própria mãe são devidas. “Por la Sierra Morena, a dos mexicanos, Cielito lindo, venian bajando, un par de ojitos negros, (...) de contrabando”; a da Espanha, por direito de poeta, pertence a Antonio Machado, assim como umas cantábricas peñas a Gustavo Adolfo Becquer. Desde Puertu de Payares a gente avista lá embaixo, resplandecente, o verdor dos vales de Astúrias, um deslumbramento! Guadarrama, Guadarrama, primeira linha de defesa da Madri republicana, suas pedras altas; Sierra Nevada da sultana Aixa, branca Lua de Granada, e de Garcia Lorca, Lorca, e Manolo Caracol!

Repartidora de grandes águas, para o Sul, o Rio Grande, para o Norte, o Rio de São Francisco que, serpeando Nordeste afora, vai saciando muitas sedes, Serra da Canastra! Umas vaquinhas de longos chifres escalavam feito cabras montesas, já faz tempo, as encostas íngremes, para alcançar moitas nativas de capim gordura. Um litro de leite a cada dia, porém riquíssimo, para nutrir sua cria e ensejar o queijo sem igual; uma vaca de estábulo, vinte litros ou mais, porém, queijo nenhum que leve com dignidade o prestígio de seu nome mágico.

Pão de Açucar, Morro da Viúva, Serra do Curral, da Moeda, Serra do Salitre, Serra do Rola Moça, da Borborema, Serra da Mantiqueira, Morro do Papagaio, Monte Pascoal, Monte Azul, Monte de Vênus, epa! Sem grandes proeminências na Geografia, a Serra da Boa Esperança, “Esperança que encerra (...)”, nos versos de Lamartine, eleva-se até as estrelas. Serra do Mar, Serra Geral, dos Órgãos, Serra do Caparaó, o Pico da Bandeira, mais alto do Brasil antes de umas medidas mais recentes darem primazia ao Pico da Neblina de misteriosas brumas, sem desprestígio algum a velhos cadernos escolares ou à memória da infância. Muito menos à professora, que ensinou, está ensinado e muito bem aprendido.

Pico do Itacolomi, “menino de pedra”, “pedra que balança”, em idioma Tupi, ou “farol dos bandeirantes”, totem da antiga Vila Rica e desta Ouro Preto de agora, infestada de turistas, testemunha silenciosa da execução de Felipe dos Santos e de uma onírica conjura de poetas: lirismos arrebatados, Gonzaga, Alvarenga, “Bárbara bela do Norte, Estrela ...”

Com seus foros de cordilheira, ergue-se o Espinhaço por léguas e léguas de longitude, uma tripa, considerando a latitude ínfima; seria todo em Minas, mas não pôde resistir à tentação de esticar-se até a Bahia. Quem é que pode? Manda muitas águas direto para o Mar, mas reserva outras muitas para o São Francisco, que, portentoso esbarro, rebate rumo a seu destino; encrespa e eriça suas pedras pretas nas alturas de Diamantina, tremendo arrepio telúrico orientado todo para o Norte, pente de Minas, magnífico, que gemas preciosas enfeitam, umas grandes, muitas pequenas, xibius.

(NM)

15 comentários:

  1. Nilseu,

    você continua um belo escritor modesto e batalhador.
    Seus admiradores, certamente, curtem seus escritos e suas propostas para que eles sejam lidos, relidos e guardados em corações e mentes.
    Grande abraço para você,

    Washington Mello.

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  2. Ô Washington,

    Nem tão modesto assim. Suas palavras me alegram e envaidecem muito. Obrigado,

    Nilseu

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  3. Das montanhas, especialmente de Minas e da Espanha, às fábulas dos animais, até então ignoradas pelo leitor contumaz, tudo faz com que este sábado de maio seja muito promissor. Obrigado, LFPerez

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  4. Caro Nilseu,

    Senti falta da Serra da Cambota, onde fica o Garimpo, a serrania mais fantástica e cantante de Minas Gerais. De lá, você vê a Vila de Cocais a seus pés e, lá longe, a Vila do Curral Del Rey.
    Parabéns. Você alegrou meu sábado.

    J.D. Vital (que não sabe fazer comentários direto no blog por ser da vanguarda do atraso)

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    1. Ô J.D.,

      Palavras feito as suas e as do Luiz Fernando mais do que alegram o meu sábado: elas dão sentido e substância ao blogue e tornam o escrever um exercício gratificante e prazeroso. Obrigado.

      Nilseu

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  5. Que texto lindo, Nilseu. Quisera eu conseguir escrever assim. Muito lindo mesmo. Montanhas.
    Abração
    Marlyana Tavares
    (Quando tiver tempo visita meu blog o Planejo Viajar (www.planejoviajar.com.br). Me dá sua opinião!

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  6. Ô, Marly,

    Obrigado por suas palavras generosas. Muito bom ter notícias suas. Grande abraço,

    Nilseu

    P.S. Já estou indo lá no "Planejoviajar"

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  7. Belo, belísimo, Nilseu. Bravo, bravo,bravo!

    Gerro

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  8. Em todas as serras que efetivamente pensei, estão lá.Texto leve, trabalhoso,de grande boniteza e erudito.Geograficamente alegre.
    Um grande abraço.
    Paulo Sergio

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    1. Ô, Paulo,

      Bom, ter sua presença aqui. Suas palavras não poderiam ser mais generosas. Obrigado.

      Nilseu

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  9. Amigo Nilseu, você, como sempre, dando aquele banho de cultura e bem escrever! Viajei por todas essas montanhas e fiquei feliz de terminar a viagem em Diamantina, terra de minha família paterna... Parabéns, belíssimo texto!

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    1. Obrigado, Angela, por palavras tão amáveis. Diamantina é um caso de paixão universal. Todos levamos a cidade de Chica da Silva no coração.
      Grande abraço

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  10. Meu caro Nilseu
    Recebi com muita alegria o seu blogue e adorei o seu texto sobre a nossa Canastra e aproveitei para viajar nas serras, montanhas e cordilheiras distribuídas com a sua historia pelo nosso Planeta.

    Um cordial abraço do amigo,

    João Lincoln

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  11. Lindo texto, saudade das montanhas da minha Minas Gerais. Grande abraço
    Helô

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  12. Helô, querida,

    Obrigado por suas palavras gentis. É bom ter você aqui em O&B.

    Grande abraço,

    Nilseu

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