Clovis Salgado Gontijo
Nossa Senhora, Mãe Celeste,
há muitos séculos,
os peregrinos desta Terra vos
invocam.
Devotos, sempre vos pedem:
uma direção,
um caminho suave,
um abrigo seguro,
o equilíbrio para não tropeçar,
a saúde para não esmorecer.
Nossa Senhora da Estrada
e dos amanheceres,
também sou peregrino
e recorro à vossa proteção.
Hoje, a jornada será longa.
A Lua nem sequer se recolheu
do céu esbranquiçado de
Luminosa.
Nossa Senhora das Candeias,
despertai novamente o Sol
para iluminar de vez o mundo
e inundar o céu, por todo este
dia,
com o azul intenso do vosso
manto.
Nossa Senhora das Neves,
penso em vós neste vale frio
onde só há geadas.
E vos peço para derreter
as ações do tempo que me
petrificam.
Mas, antes, aquecei minhas mãos
geladas,
ó Senhora da Luz,
padroeira da cidade do meu pai.
Quanto a mim,
vim das bandas da Boa Viagem
e, por isso, me fizestes
peregrino.
Ainda não sei para onde vou.
Por ora, meu destino não será
vos encontrar,
Nossa Senhora Aparecida.
Subo as serras em busca da
liberdade rarefeita nas planícies
ou, quem sabe, para me manter,
como a vida,
simplesmente em movimento.
Já com o corpo aquecido,
dirijo a vós outra prece,
minha fiel companheira,
Senhora da Soledade.
Por favor, deixai-me bem atento
aos encantos que brotam no
trajeto.
A beleza sabe amaciar as
botinas.
Qual graça de imediato
recebida,
observo as criaturas que me
cercam.
Conheceriam e invocariam,
também elas,
algum dos vossos títulos
gloriosos?
Passeia, à minha esquerda,
um curso de águas sonoras.
Não precisa de luz, nem de
guia.
Avança, de olhos fechados,
sem temer o choque das pedras,
sem temer se perder,
tornar-se
ou deixar de ser
rio.
Se o córrego flui assim, tão
seguro,
é por vossa interseção, Maria
da Fé.
Volta e meia, vejo um pássaro
pousado no arame de uma cerca.
Não depende de estradas para
seus percursos,
mas roga por bons ventos
e, depois de um voo penoso,
espera por Vós ser atendido,
Nossa Senhora do Bom Repouso.
Nos pontos mais altos,
as araucárias preenchem a
paisagem.
Fora suas raízes profundas,
nada mais as liga à terra dos
homens.
Não se preocupam com o bom
sucesso,
nem com a boa morte.
Desafiando a gravidade,
voltam aos céus os longos
ramos,
em adoração constante,
em total e mudo abandono,
à imagem da Senhora do
Silêncio.
A trilha contorna a pedra
sobranceira
que atrai e intimida os
viajantes.
Não carece de mais amparo
e, para ela, tanto faz o mau
quanto o bom tempo.
Se, no seu topo, erigem um
cruzeiro,
não se queixa,
mas implora à Senhora da
Piedade –
ou seria à Senhora da Penha? –
que a livre das incisões
humanas.
Nossa Senhora dos Anjos,
amada por Francisco,
talvez todas as criaturas Vos
invoquem.
Mesmo aquelas sem pés e sem
caminhos.
Quanto a mim,
sou peregrino
e, como desconheço esta estrada
e meu destino,
não dispenso nenhum dos Vossos
nomes.
Piranguçu,
julho de 2021
(*) O Clóvis andou peregrino por velhas igrejas do
Sul de Minas e, em tantas encontrou devoção tão arraigada na Virgem Maria que,
ao compor homenagem ao padre Antônio Vieira, desde sempre outro rendido devoto
da mãe de Jesus, chegou sem muito esforço à piedosa oração. Os tempos são difíceis por
aqui e a gente tem mesmo de recorrer a toda ajuda possível. Ave Maria,
esperança nossa. Salve! (nm)