quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Homenagem a Vieira (*)

Clovis Salgado Gontijo

 

Nossa Senhora, Mãe Celeste,

há muitos séculos,

os peregrinos desta Terra vos invocam.

Devotos, sempre vos pedem:

uma direção,

um caminho suave,

um abrigo seguro,

o equilíbrio para não tropeçar,

a saúde para não esmorecer.

 

Nossa Senhora da Estrada

e dos amanheceres,

também sou peregrino

e recorro à vossa proteção.

Hoje, a jornada será longa.

A Lua nem sequer se recolheu

do céu esbranquiçado de Luminosa.

 

Nossa Senhora das Candeias,

despertai novamente o Sol

para iluminar de vez o mundo

e inundar o céu, por todo este dia,

com o azul intenso do vosso manto.

 

Nossa Senhora das Neves,

penso em vós neste vale frio

onde só há geadas.

E vos peço para derreter

as ações do tempo que me petrificam.

Mas, antes, aquecei minhas mãos geladas,

ó Senhora da Luz,

padroeira da cidade do meu pai.

 

Quanto a mim,

vim das bandas da Boa Viagem

e, por isso, me fizestes peregrino.

Ainda não sei para onde vou.

Por ora, meu destino não será vos encontrar,

Nossa Senhora Aparecida.

Subo as serras em busca da liberdade rarefeita nas planícies

ou, quem sabe, para me manter, como a vida,

simplesmente em movimento.

 

Já com o corpo aquecido,

dirijo a vós outra prece,

minha fiel companheira,

Senhora da Soledade.

Por favor, deixai-me bem atento

aos encantos que brotam no trajeto.

A beleza sabe amaciar as botinas.

Qual graça de imediato recebida,

observo as criaturas que me cercam.

Conheceriam e invocariam, também elas,

algum dos vossos títulos gloriosos?

 

Passeia, à minha esquerda,

um curso de águas sonoras.


Não precisa de luz, nem de guia.

Avança, de olhos fechados,

sem temer o choque das pedras,

sem temer se perder,

tornar-se

ou deixar de ser

rio.

 

Se o córrego flui assim, tão seguro,

é por vossa interseção, Maria da Fé.

Volta e meia, vejo um pássaro

pousado no arame de uma cerca.

Não depende de estradas para seus percursos,

mas roga por bons ventos

e, depois de um voo penoso,

espera por Vós ser atendido,

Nossa Senhora do Bom Repouso.

 

Nos pontos mais altos,

as araucárias preenchem a paisagem.

Fora suas raízes profundas,

nada mais as liga à terra dos homens.

Não se preocupam com o bom sucesso,

nem com a boa morte.

Desafiando a gravidade,

voltam aos céus os longos ramos,

em adoração constante,

em total e mudo abandono,

à imagem da Senhora do Silêncio.

 

A trilha contorna a pedra sobranceira

que atrai e intimida os viajantes.

Não carece de mais amparo

e, para ela, tanto faz o mau quanto o bom tempo.

Se, no seu topo, erigem um cruzeiro,

não se queixa,

mas implora à Senhora da Piedade –

ou seria à Senhora da Penha? –

que a livre das incisões humanas.

Nossa Senhora dos Anjos,

amada por Francisco,

talvez todas as criaturas Vos invoquem.

Mesmo aquelas sem pés e sem caminhos.

Quanto a mim,

sou peregrino

e, como desconheço esta estrada e meu destino,

não dispenso nenhum dos Vossos nomes.

 

Piranguçu, julho de 2021

 

(*)  O Clóvis andou peregrino por velhas igrejas do Sul de Minas e, em tantas encontrou devoção tão arraigada na Virgem Maria que, ao compor homenagem ao padre Antônio Vieira, desde sempre outro rendido devoto da mãe de Jesus, chegou sem muito esforço  à piedosa oração. Os tempos são difíceis por aqui e a gente tem mesmo de recorrer a toda ajuda possível. Ave Maria, esperança nossa. Salve! (nm)


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