É bom andar de turista, flanar, entregar-se ao peripatético
da vida e da existência à sombra do arvoredo que se apruma em desordem de
muitas cores nas ruas ensolaradas de BH, todos os tons de verde, toda sorte de policromia
na alma vegetal da cidade sempre florida. Nesta quadra, o violeta das quaresmeiras prevalece na paisagem e ajuda a
filtrar a luminosidade deslumbrante de nossos abris. É tudo muito trivial,
banal, e um sujeito distraído mal percebe, porque está tudo ali o tempo todo, como
se não pudesse ser de outro jeito, é assim mesmo, como pode o peixe se dar
conta de que a água é molhada!
Pres`tenção, cara! Senão você não vê, ao passar pela Rua dos
Inconfidentes, entre Alagoas e Pernambuco, o assédio insólito de um pé de mamão, provavelmente fêmea, a um poste da rede elétrica. Com muita elegância, a
árvore ergue suas grandes folhas espalmadas, até alcançar a extremidade do
poste que, ao sabor da brisa, afaga com suavidade, o que é raro numa espécie
que não é de levantar tão alto suas copas. Se há ternura nisso? Quem sabe! O
coração de concreto do poste, porém, parece não se deixar tocar, enquanto vai
cumprindo, impávido, seu destino de segurar cabos e relés lá em cima.
Na Rua Paraíba, entre Inconfidentes e Rua Santa Rita, Frei José de Santa Rita Durão, um dos muitos poetas da nomenclatura de nossas ruas, não a “advogada das causas impossíveis”, a presença incidental de uma réplica das mais singelas da Torre Eiffel no passeio, de repente, espevita a memória para suscitar analogias ternas, insólitas alegorias, correspondências essenciais no mundo caótico e incoerente. Num livro de Francês dos tempos de ginásio a referência primordial num desenho a bico de pena da torre famosa que, com muita economia de traços, ilustrava um poema de Paul Souchon. Não dava pra reconhecer, então, anacrônico e, avant la lettre, politicamente correto lirismo do poeta, em cujos versos, lá pelos anos 40, 50, ainda cantavam muitos rouxinóis, como se jamais tivessem existido Rimbaud e Lautreamont, e toda a agitação surrealista e dadá não tivesse sido mais que mero devaneio.
Não importa. Um único fragmento não esquecido do poema de
Paul Souchon pode aflorar diante da “Torre Eiffel” da Rua Paraíba, na Savassi, com
toda candura e sinceridade: Chaque fois,
Paris, ta beauté, m`a séparé de ma tristesse!
Veio, então, a paráfrase inevitável: Ah, Belo Horizonte! A brisa leviana e fresca dessas manhãs de abril, em
tua luminosidade incomparável, sempre alegra meu coração. (nm)
Só mesmo o Nilseu para ver Paris na Belo Horizonte de hoje. Confesso que antigamente, até eu achava a cidade bonita, principalmente ao olhar para o céu, bonito de manhã, de tarde e de noite. Chamada então Cidade Jardim, a profusão das árvores e das flores, exalando perfumes conhecidos e exóticos, tornavam encantadora a caminhada por suas ruas. Hoje, sempre correndo, só mesmo os ipês nos consolam e alegram no tempo da floração. Mas o amigo escritor, tão sensível e sempre movido pela Beleza, pode ver ao longo de seus passos um mamoeiro na Savassi, as quaresmeiras e o radioso sol de abril na folhagem de todos os matizes de verde. Nilseu melhorou o meu domingo, despertou-me para o belo que me rodeia, a mim, moradora da "Vila Paris".
ResponderExcluirMarilia Salgado
Querida Marília,
ExcluirObrigado por suas palavras, tão gentis e generosas! É uma alegria contar com a sensibilidade de uma amiga querida como você para compartilhar o afeto que, apesar de tantos pesares, insistimos em devotar à nossa amada cidade de Belo Horizonte.
Amigo dos passarinhos e das árvores, meu amigo Nilseu tem um coração tão grande que consegue abraçar a cidade inteira. Belíssima crônica, como sempre, né.
ResponderExcluirÔ Fabbrini,
ExcluirÉ claro que suas palavras são de afagar o ego de qualquer blogueiro. Se, ao menos, você tivesse alguma isenção...
Nilseu, lindas palavras sobre nossa querida Beagá! Crônica deliciosa de ler! Magda
ResponderExcluirE isso, Magda. Benquerença é benquerença. Obrigado.
ExcluirMuito bom, Nilseu.
ResponderExcluirVocê é muito generoso com a BH atual.
Abraços,
Dani
Ô, Daniel,
ExcluirA questão toda é que realmente gosto desta cidade. Obrigado por suas palavras.
MEU BOM AMIGO E COMPANHEIRO DE REDAÇÃO. OBRIGADO POR ME DISTINGUIR COM SUA INDICAÇÃO.ESTOU AQUI ALEGRE PELA LEMBRANÇA E FELIZ POR TER COMO ACOMPANHAR SUAS ESCRITAS. ESTOU COM VOCÊ. PARABÉNS PELOS TEXTOS E PELO ESPAÇO QUE OFERECE A OUTROS ESCRITORES. ABRAÇOS, WALTER LUIZ.
ResponderExcluirET: PRECISA ESTAR CONOSCO LÁ NO BAR DO CHUMBA. TODAS AS PRIMEIRAS TERÇA-FEIRAS DE CADA MÊS, À PARTIR DAS 18H.
Walter Luiz
Ô, Walter Luiz,
ExcluirQue bom receber você aqui, neste O&B. Volte sempre.
Grande abraço.
Meu caro Nilseu, sua crônica sobre BH é linda e estilosa como sempre. Não tenho sua habilidade com as palavras.Mas sendo um andante de nossas ruas posso apreciar com muito prazer a nossa 'Paris". Gosto muito de voltar a pé do trabalho e observar coisas que no carro não posso ver. Infelizmente, em uma caminhada recente, passei pela nossa porção BH devastada.
ResponderExcluirDepois de muitos anos tive de ir a rodoviária de BH, não vacilei, fui a pé para poder observar o trajeto que há muitos anos não fazia. Foi um choque, mudei de continente em menos de mil metros, de repente estava em uma região desolada, triste, imunda, fedorenta, com pessoas caídas no meio da calçada ou vendendo roupas e sapatos usados em uma situação constrangedora pela miséria, omissão de autoridades e total abandono social em que se encontram. Imediatamente me lembrei do povo alemão, tão culto e civilizado, que durante o holocausto ignorava o que estava se passando.
E olhe que eu nunca entrei em nenhuma favela, ou comunidade, termo hipócrita para dissimular a nossa vergonha nacional.
Realmente é uma contradição, se Guimarães Rosa celebrizou o ''Minas são muitas...''
Posso com certeza parafrasear ''BH são muitas''
BH é Paris, é Berlim, é Lisboa. Mas também é Lagos, Istambul, Detroit, Damasco, Alepo...
A sua cronica me alegrou, só que depois bateu o outro lado, eu refleti e resolvi te escrever.
Um abraço amigo.
Ricardo Crepaldi
Ô, Crepaldi,
ExcluirComo sempre, você prima pela lealdade e sinceridade. Percebi claramente o pesar de um sujeito que gosta demais de BH diante de tantas mazelas. Elas doem também em mim, mas quando posso, não resisto à tentação de me refugiar nos mistérios gozosos e gloriosos da cidade. Sua presença enriquece O&B e alegra o blogueiro. Grande abraço.
Parabéns Nilseu, belo texto. Você vai muito além do ver a Savassi, você a sente, "Paris é aqui !". Grande abraço,
ResponderExcluirNélson
É isso aí, Nélson. A Savassi éde todos nós.
ExcluirGrande Nilseu,
ResponderExcluirVoltei a BH depois de quase ermitão na roça, e por felicidade vim morar na Alagoas com Inconfidentes. O olhar roceiro não ficou e sei o que é observar transeuntes desatentos com os encantos que a flora urbana nos permite. Parafraseando a ministra, adoro Paris, mas gosto mesmo é de me perder nas esquinas, botecos e cafés da Savassi.
Ahh, e o Lélio bem o disse. A gente ainda é capaz de voar.
Valeu, Marçal. Obrigado por sua prestigiosa visita a O&B.
ExcluirNilseu, você e o seu dom de descobrir verso e prosa nas coisas, trocadilho à parte, mais prosaicas... Belo Horizonte ainda tem belezas a serem descobertas por nossas retinas fatigadas, não é? Parabéns, amigos, por enxergá-las!
ResponderExcluirAngela,
ResponderExcluirObrigado por acolher de ânimo compassivo as extravagâncias de um "flâneur" de BH.