Adelmar Correia da Silva, 61 anos, mora sozinho em sua casa no Bairro Goiânia, região Nordeste de BH, na estrada de Sabará: “Minha mulher, Maria Conceição Bomfim, morreu já tem muito tempo. Quando eu era novo, trabalhei com carteira assinada, mas na época do governo Collor a empresa fechou e nunca mais arrumei outro emprego. Sou homem de pouca leitura, quase não sei ler, então é difícil. Tenho um filho de quarenta anos, casado, mas a gente pouco convive. É eu e meus cachorrinhos. Vou fazendo meu trabalho e eles me acompanham cidade afora”. É verdade. Os cachorrinhos o seguem com a devoção própria da espécie pela Savassi e outras áreas de comércio da região central onde, habitualmente, coleta lixo reciclável.
O trabalho de Adelmar é penoso, sobretudo porque o
transporte de sua “produção” até o depósito na Rua Itapecerica, Bairro da
Lagoinha, para a venda do material recolhido, é feito na carroça pequena, mas
não tão leve, cuja tração é ele mesmo, feito um chinês puxando seu riquixá. “Produção”?
Sim, posto que ele entrega tudo separadinho, embalado ou empacotado e
classificado, para obter uma receita diária que varia de dez a sessenta reais,
às vezes um pouco mais. Isso vale pra papel, papelão, garrafas de vidro,
plástico, alumínio das latinhas de cerveja e refrigerantes, eventualmente
outros metais que, é claro, precisa transportar até o depósito.
Da Savassi à Rua Itapecerica ele demanda hora e meia, duas
horas, arrastando sua carroça carregada, muito peso, sempre acompanhado dos
cachorrinhos de muita estima: Sofia,
Pirulito, Pretinha, Nina, Ximbica, Chica, Princesa, Bolinha... Safira também, com sua ninhada de dez
filhotes encantadores que, vão na boleia. Todos estão com os certificados de
VACINA rigorosamente em dia, bem cuidados e alimentados. Carinho e
responsabilidade. Parabéns Adelmar!
Pra ir pra sua casa, no Bairro Goiânia, a carroça já aliviada
de sua carga, ele gasta mais de seis horas, enfrentando as ladeiras do trajeto
com a força de suas próprias pernas. Quem conhece BH sabe que a topografia não
é a mais favorável para esse tipo de jornada. Montanhas, montanhas, orografia
caprichosa, sabe como é. Então, muitas
vezes ele desiste de ir pra casa e recolhe-se para passar a noite sob a
marquise de uma agência bancária nos inícios da Rua da Bahia, lá embaixo, ele e
seus cãezinhos. Perto, um posto de polícia, cujo pessoal acabou por acolhê-los
como vizinhos. Sempre tem alguém puxando prosa, oferecendo água e comida para a
matilha. Além disso, proporcionam-lhes segurança numa área em que as noites
podem ser perigosas, mesmo para quem tem tão pouco ou quase nada para ser
roubado.
Ser brasileiro não anda fácil para ninguém. Porém, desamparado
completamente da pátria-amada-idolatrada-salve-salve, é admirável que um brasileiro
pobre possa encontrar na lealdade e afeto de seus cães o alento necessário para
encarar o precário da existência de catador de papel que se empenha em
sobreviver como pode, recolhendo material reciclável nas ruas de BH. (nm)
(As fotos são de Cláudio Antuña)
Ser brasileiro não anda nada fácil, para a maioria... Bonita crônica, com o dia a dia tão pesado de quem ainda busca e encontra alento como seu Adelmar, invisível para muitos.
ResponderExcluirÔ, Cândida. Um dia isso vai melhorar e, feito na canção de João Bosco e Aldir Blanc, há de voltar "a nossa Pátria Mãe Gentil". Obrigado por sua presença em O&B.
ResponderExcluirMaravilha, Nilseu. Adorei.
ResponderExcluirJanaina
Obrigado, amiga. Bom ter você aqui, em O&B.
Oi, Nilseu! Bom saber que vc se interessou por ele: o dono dos cachorrinhos. Eu o vejo sempre pela Savassi e nos arredores do Funcionários. As pessoas tiram fotos, algumas se aproximam, mas percebo que o interesse mesmo é pelos cães. Pobre de nós humanos que estamos reduzidos a quase nada. Gostei.
ResponderExcluirOi, Nilseu!
ResponderExcluirFiquei feliz por saber que vc se interessou pela vida do dono dos cachorrinhos... Sempre o vejo pela Savassi e pelo Carmo Sion... As pessoas tiram fotos e se encantam c o m os cães
Obrigado, Malluh. Sua presença sempre alegra este O&B. E olhe que eu pensei que a postagem não lhe tinha interessado. É que a resposta a minha mensagem chegou primeiro que o comentário. Retribuo os "beijinhos"
ResponderExcluirFiquei feliz por saber que vc se interessou pela vida do dono dos cachorrinhos... Sempre o vejo pela Savassi e pelo Carmo Sion... As pessoas tiram fotos e se encantam c o m os cães...
ExcluirÉ isso aí, Malluh
Querido Nilseu, comoveu-me a história do Seu Adelmar Correia da Silva. Mesmo na dureza da vida, distribui carinho e afeição aos amigos caninos, chegando a despertar em alguns seres humanos, por vezes empedernidos cidadãos, simpatia e boa-vontade.
ResponderExcluirMarília
Ô, Marília,
Ás vezes a gente tem mesmo a impressão de que a essência benigna de um homem não se degrada ante as vicissitudes com que a existência o confronta. Obrigado por mais uma visita e este O&B.
Olá Nilseu,
ResponderExcluirHoje li as últimas "Ociosidades e Bagatelas! Adorei!
" O catador de papel e seus cachorros " é a realidade mais dura contada da forma mais poética...
Quanto ao "Café", você me fez voltar aos tempos do curso primário: Francisco de Melo Palheta! Mais de meio século que eu não pensava nele!...
Bom demais!
Abraço saudoso e muito carinhoso para você, Rosa e Rosinha,
Cecilia.
Queridíssima Cecília, sua presença aqui, eleva o astral deste O&B às instância do sétimo céu. Obrigado
Lendo com deleite! Abraço, Nilseu!
ResponderExcluirRégis
Ô Regis! Obrigado por prestigiar com sua presença este O&B.
"É eu e meus cachorrinhos..." - obrigado, Nilseu, pela meigura de um texto que acaba nos traduzindo na rima oculta o sentimento de tantos Ademares nos quais nos esbarramos com a frequência de esquecimentos! Grande abraço!
ResponderExcluirObrigado, Lélio, por comparecer de ânimo compassivo a este O&B.
ResponderExcluirNilseu,
ResponderExcluirli, com a devida atenção e grande admiração, todo o seu blog.
O que mais me emocionou, pela saudade da infância/juventude, foi a referência a Bob Nelson - um "cowboy real" em meio aos mocinhos dos seriados nas matinés de cinemas que exibiam Roy Rogers, Gene Autry, Hopalong Cassidy, Buffallo Bill e tantos outros. Assisti o show de Bob Nelson no enorme Paisandu, palco utilizado pela Rádio Inconfidência em seus tempos de glória no prédio da Feira de Amostras, demolido em 1965 para dar lugar à Rodoviária.
Nilseu, seu muito apreço à vaquinha da rua Leopoldina me fez reviver o encantamento que vislumbrei ao ver, nos primórdios da década de 50, aquele cowboy entrar montado a cavalo e cantar "Oh Suzana", "Meu boi Barnabé" (o enamorado da vaquinha que teve a sua marcha própria "Minha linda Salomé") e outros sucessos que, hoje, só persistem na lembrança da nossa geração.
Obrigado, amigo, por me permitir usufruir os belos textos das "Ociosidades & Bagatelas"!
Sérgio Prates
Ô, Sérgio,
ResponderExcluirSua presença aqui neste O&B é uma alegria para o blogueiro. Obrigado pelo comentário generoso e por compartilhar lembranças caras à nossa geração.