O Clube do Livro Aberto – CLA sofreu baixas irreparáveis neste ano de 2022, a mais recente, do Flávio Friche, que foi embora no começo deste mês. Em meados de agosto já nos havia deixado Ismael Barreto Antuña, depois de haver enfrentado insidiosa enfermidade com sua habitual bravura. Enquanto ele esteve conosco cultivou com apreço e generosidade as melhores possibilidades da nossa confraria etílico-literária, cujas tertúlias sempre acolheu com alegria e entusiasmo em sua casa, no espaço cultural “No Pasarán”, assim batizado em homenagem a Dolores Ibarruri, a Pasionária, onde os convivas do CLA, em mais de uma ocasião, foram privilegiados também por muitos refinamentos gastronômicos de Denise.
Quem viveu as sessões do CLA, intermináveis, teve oportunidade de desfrutar da conversa rica, bem-humorada, alegre, que seu espírito superior jamais sonegou a quem quer que fosse. Sonegar, mesmo, ele sonegou seus escritos, que ainda estariam guardados se seu filho mais velho, também Ismael, não tivesse repassado a este O&B o poema “Roteiro lírico, geográfico e sentimental da minha estante” e umas confissões/revelações que ele consignou como “Algumas notas sobre o autor, que ocupa o honorífico e bem remunerado cargo de Primeiro Ministro Permanente do Clube do Livro Aberto”. O título pomposo foi-lhe outorgado pela autoridade do Flávio Friche e, por pura diversão, ele incorporou. Excelente a remuneração do CLA ao ministro, porém, meramente afetiva.ESTANTE (I)
Na minha estante só habitam
Santos e Indignados
España em Llamas
Rua da Bahia 884.
Guarda também mapas das ruas das cidades do mundo,
da República Socialista Popular de Belo Horizonte,
dos Estados Unidos da América do Norte,
das Europas y
Astúrias.
Oviedo, Detroit, Amsterdam
e de Madrid.
Aonde vais José?
José Ribamar Ferreira Gullar vomita seu poema sujo de azul
e cavalga los caballos
del pueblo:
“A galopar, a galopar,
hasta enterrarlos en
el mar”
Uma garrafa de vinho vazia compõe a natureza morta
em minha estante.
ESTANTE (II)
Pela manhã é a melhor hora para se arrumar a estante.
O livro sendo tocado,
trocado de lugar.
E também aqueles pequenos objetos espalhados pelos vãos:
O touro de veludo
(todo corazón arriba!);
O avião de plástico
(que bom! de asa quebrada);
a bandeira.
Afasto um santo de barro da frente de Drummond
(que suspira aliviado)
Arrumação feita,
agora Vinicius conversa com Neruda,
que conversa com Federico,
que conversa com Emílio,
que conversa com Machado,
que conversa com Vinicius.
Drummond me manda uma banana.
Algumas notas sobre o
autor, que ocupa o honorífico e bem remunerado cargo de Primeiro Ministro
Permanente do Clube do Livro Aberto
Tudo o que sabe, o que não é muito, mas também não é pouco, aprendeu no balcão da Charutaria Flor de Minas e lendo Monteiro Lobato.
Torce pelo Botafogo (há mais de 50 anos) e considera o fato uma de suas poucas verdades verdadeiras.
Acompanha o Partidão desde 1955, e continua acompanhando, solidário com “Seu” Olímpio e com Oscar Niemeyer.