(IX)
João, pastor, tange com palavras, umas, contundentes, outras, pura música. Como a ovelhas, apascenta Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia, sete igrejas, por prados ásperos da Ásia Menor. Tem o rijo bordão de Jacó e, às vezes, a flauta suave do Grande Pã:
A Éfeso: Laboriosa, paciente, atenta aos falsos apóstolos. Tenho contra ti, porém, que deixaste teu primeiro amor.
A Esmirna: Pobre, mesmo sendo rica, esperando com
resignação a tribulação anunciada.
A Pérgamo: Desde os dias de Antipas, habitando onde Satã
habita, sem renegar a Palavra. Melhor que São Pedro.
A Tiatira: Operosa, diligente e amorosa, da fé regou a
encarnada rosa. Mas tolerar essa Jezebel dizendo-se profetisa!... Intolerável.
A Sardes: Desatenta e relapsa, só uns poucos dos seus
vestir-se-ão de linho branco.
A Filadélfia: Frágil, guardou com firmeza a Palavra. Quando
for chegada a hora, será coluna no Templo.
A Laodiceia: Frouxa nas obras, nem fria nem quente. Por
morna, diz-lhe o pastor, “vomitar-te-ei da minha boca”.
Sinais
Como pastor, não poderia ter sido mais zeloso: “Eu
repreendo e castigo a quantos amo”. Como testemunha, João é sóbrio. Bastam-lhe
Sete Sinais para pontuar o plano da Redenção: a água transformada em vinho nas
bodas de Caná; a cura de um jovem em Cafarnaum; a de um paralítico em Betesda;
a multiplicação dos pães e dos peixes. À noite, o mais lírico dos sinais, uma
caminhada sobre as ondas do Mar da Galileia; a cura de um cego em Silo‚ com
barro da saliva e pó da terra, terá sido um sinal singelo. O sétimo é o mais
dramático, a ressurreição de Lázaro.
“Mestre, se Tu estivesses aqui, meu irmão Lázaro não teria
morrido.” A interpelação de Mar-ta, irmã de Maria, que havia enxugado com os
próprios cabelos os pés do Rabi, depois de lavá-los e ungi-los com ungüento
perfumado, não podia ser mais patética. E Lázaro levava quatro dias de morto e
enterrado. O Rabi chorou com as mulheres, depois chamou Lázaro da tumba e o
ressuscitou.
Mesmo num âmbito em que milagres fariam parte do cotidiano,
a alteração de um consumado desígnio da Morte terá sido algo estarrecedor. O
Sétimo Sinal do Evangelho de João, tocado sete vezes pelo Intangível, é, pois,
o da Ressurreição e da Esperança, contra as quais a besta do Sétimo Selo não
prevalecerá. Esperamos (*).
(*) Depois de ler o Romance d`A Pedra do Reino e O Príncipe do Vai e Volta, Galdino, irmão de fé e de andanças, mandou-me o livro. Em letra de forma, com esferográfica, ele escreveu na falsa folha de rosto do volume, ainda sob a viva impressão do mergulho que dera naquele universo escatológico de Ariano Suassuna, a seguinte mensagem: “Ao (...) Cão da molesta, (,,,) pra que a onça macha-e-fêmea da vida e a bicha-mundo te manere a mão e a Bicha Bruzacã não te pegue não”. De algum modo, isso ajuda, a quem de direito, compreender que Sertão é um pouco deserto e Ariano um pouco São João. (nm)
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Continua na próxima quarta-feira
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