quarta-feira, 6 de março de 2024

Cartas de pastoreio pelos campos da Ásia Menor

(IX)

João, pastor, tange com palavras, umas, contundentes, outras, pura música. Como a ovelhas, apascenta Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia, sete igrejas, por prados ásperos da Ásia Menor. Tem o rijo bordão de Jacó e, às vezes, a flauta suave do Grande Pã:

A Éfeso: Laboriosa, paciente, atenta aos falsos apóstolos. Tenho contra ti, porém, que deixaste teu primeiro amor.

A Esmirna: Pobre, mesmo sendo rica, esperando com resignação a tribulação anunciada.

A Pérgamo: Desde os dias de Antipas, habitando onde Satã habita, sem renegar a Palavra. Melhor que São Pedro.

A Tiatira: Operosa, diligente e amorosa, da fé regou a encarnada rosa. Mas tolerar essa Jezebel dizendo-se profetisa!... Intolerável.

A Sardes: Desatenta e relapsa, só uns poucos dos seus vestir-se-ão de linho branco.

A Filadélfia: Frágil, guardou com firmeza a Palavra. Quando for chegada a hora, será coluna no Templo.

A Laodiceia: Frouxa nas obras, nem fria nem quente. Por morna, diz-lhe o pastor, “vomitar-te-ei da minha boca”.

Sinais

Como pastor, não poderia ter sido mais zeloso: “Eu repreendo e castigo a quantos amo”. Como testemunha, João é sóbrio. Bastam-lhe Sete Sinais para pontuar o plano da Redenção: a água transformada em vinho nas bodas de Caná; a cura de um jovem em Cafarnaum; a de um paralítico em Betesda; a multiplicação dos pães e dos peixes. À noite, o mais lírico dos sinais, uma caminhada sobre as ondas do Mar da Galileia; a cura de um cego em Silo‚ com barro da saliva e pó da terra, terá sido um sinal singelo. O sétimo é o mais dramático, a ressurreição de Lázaro.

“Mestre, se Tu estivesses aqui, meu irmão Lázaro não te­ria morrido.” A interpelação de Mar-ta, irmã de Maria, que havia enxugado com os próprios cabelos os pés do Rabi, depois de lavá-los e ungi-los com ungüento perfumado, não podia ser mais patética. E Lázaro levava quatro dias de morto e enterrado. O Rabi chorou com as mulheres, depois chamou Lázaro da tumba e o ressuscitou.

Mesmo num âmbito em que milagres fariam parte do cotidiano, a alteração de um consumado desígnio da Morte terá sido algo estarrecedor. O Sétimo Sinal do Evangelho de João, tocado sete vezes pelo Intangível, é, pois, o da Ressurreição e da Esperança, contra as quais a besta do Sétimo Selo não prevalecerá. Esperamos (*).

(*) Depois de ler o Romance d`A Pedra do Reino e O Príncipe do Vai e Volta, Galdino, irmão de fé e de andanças, mandou-me o livro. Em letra de forma, com esferográfica, ele escreveu na falsa folha de rosto do volume, ainda sob a viva impressão do mergulho que dera naquele universo escatológico de Ariano Suassuna, a seguinte mensagem: “Ao (...) Cão da molesta, (,,,) pra que a onça macha-e-fêmea da vida e a bicha-mundo te manere a mão e a Bicha Bruzacã não te pegue não”. De algum modo, isso ajuda, a quem de direito, compreender que Sertão é um pouco deserto e Ariano um pouco São João. (nm)

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Continua na próxima quarta-feira

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