Não é longo o trajeto a percorrer desde a Rua da Bahia, pela
Rua Antônio de Albuquerque, até a Rua Paraíba, passando pelo cruzamento mágico
de ruas e avenidas que os mapas da cidade assinalam como “Praça Diogo de
Vasconcelos”, para a gente de BH,
apenas de Savassi, nome de antiga padaria que existiu por ali. Quatro ou cinco
quadras não são muita coisa, mas a expectativa do chope gelado e bem cortado do
Café Três Corações ou do Gujoreba, do pescado do Baiana do Acarajé, entre
outras possibilidades daquele entorno, dá uma medida da intensidade dessa
passagem feliz. No entanto, o passeante deve manter o espírito, senão atento,
pelo menos aberto à poesia circunstante. Florada de muitos tons nas
quaresmeiras dos passeios; nas floreiras do calçadão isento de tráfego dos
quarteirões fechados, inflorescências de um azul tão suave que enternece o próprio
céu e o verão. Na branda contemplação, a memória acolhe, fácil, uns delicados florais
de Juan Ramon:
Hoy que se abrieron
esta tarde // las rosas de tu rerraza (...)
Entre Levindo Lopes e Sergipe, ergue-se elegante e majestoso
pau ferro na direção do céu alto, como se disposto a tocar com sua ramagem
verde-escuro, lá em cima, o azul dipinto
di blu. Deferência da flora, dignar-se uma árvore dessas a enfrentar
conosco as vicissitudes de nossa cidade. Antes que alcancemos a praça
propriamente dita, outro monumento, o gigantesco cedro “sete barbas” que
sombreia o bronze em tamanho natural do escritor Roberto Drummond contemplando,
comprazido, buliçosos ires e vires. Poema vegetal, catedral? Por pura
implicância, há alguns anos, a árvore teria sido posta abaixo, não a tivessem
defendido bravamente. Ela continua lá, exuberante, impávida, colosso(?), para
sempre. Valeu a indignação. Irrelevância? Não sei não. Potencializada a uma
escala apropriada, a mesma indignação pode, quem sabe, salvar os rios que estão
morrendo e mesmo os que já estão mortos, à espera de uma chance para
ressuscitar, e as florestas, o cerrado e tudo o mais.
Flávio Friche, meu irmão! Desistir de nossos rios,
abandoná-los? Não. Eis livrá-los de toda lama tóxica, o Rio Doce, o São
Francisco, o Paraopeba, e Mariana, o Brumado e, quem sabe, ó, esplendor de ouro
e prata, o sonho de piracema em águas ligeiras, límpidas, se escapando do Fecho
do Funil! A hora é de espanto e desolação. Como nos versos premonitórios de Eliot (*), anteriores
aos massacres de Nanquim, a Guernica, ao Gueto de Varsóvia, a Auschwits, à
bomba atômica, aos bombardeios de Hanói e Haiphong, anteriores, também, é claro,
ao descaso, indiferença e ganância da mineração devastadora. Deixar
para traz a planície devastada, o travo de absinto, não tem jeito: “A Ponte de Londres está caindo caindo //
Poi s`ascose nel foco gli affina // Quando fiam chelidon – Ó andorinha
andorinha (...) com fragmentos tais foi que escorei minhas ruinas (...) Shantih
shantih” (nm)
(*) “A Terra Desolada” (The Waste Land) - 1922