sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Heptaédricas, capa, epígrafe, o prólogo etc...

Na Sétima Hora:

A mulher, que é neta e avó de Deus,

Foi gerada pela vontade do homem puro,

O encantador de serpentes,

O que abre todas as portas,

E nasceu só para ser amado

 Nuctemeron  (Poema Místico das Horas) Tânio 


Edições C.L.A. – Clube do Livro Aberto, e, 2001, então bastante ativa, publicou uma tiragem de sete exemplares de “Heptaédricas”, iniciativa dessas que só na ociosidade se sustentam, embora talvez tenha sido uma imposição das próprias notas de leitura e registros mnemônicos, textos fragmentários, que compõem o pequeno volume. Vez por outra, sempre, estavam se assomando à janela da memória para perturbar uma vigília, assombrar uma insônia, essas coisas. O jeito foi publicar, pra ver se sossegavam. Agora é diferente: o “folhetim” é uma tentativa de compartilhá-los com os amigos e leitores de O&B, que a gente espera que funcione.

PRÓLOGO

Número, “conjunto de todos os conjuntos equivalentes a um conjunto dado”, definição parca para uma relação inefável, metafórico flertar de estrelas pisca-piscando incansáveis pela noite sem-fim das galáxias; entidade abstrata sem razão de ser quando não houver mais uma alma humana que a possa intuir, embora a contingência de corresponder, sempre, a alguma característica mensurável das coisas! Onde, então, a pluralidade, falange, legião, contidas num número qualquer, mesmo na mais prosaica unidade, que a ciência dos matemáticos contempla, a intuição dos poetas perscruta e desvela a das mulheres e profetas?   

Diante do irrespondível, o número sete, representativo dos conjuntos de sete elementos, desfaz-se em impossibilidade: quantidade, grandeza, intensidade, mistérios, enigmas, sortilégios, bruxedos? Não. Talvez uma improvável jangada flutuando no oceano intangível do tempo e da memória, atada a um fio de Ariadne que permitisse a qualquer Teseu retornar de labirintos das mais pretéritas eternidades, romper a finíssima lâmina do presente e alçar-se para além da Via Láctea onde, presumivelmente, abrir-se-ia o futuro, feito abrem-se as peônias e outras flores impudicas.

Haveria, mas não necessariamente, algo de supersticioso em capturar seqüências e conjuntos de sete elementos, acomodá-los na lembrança e remetê-los, com toda a luz que possam carregar, de esferas iluminadas da consciência para algum recôndito sombrio ou mesmo para a escuridão mais espessa. Ao fim e ao cabo, tudo não passa de exercício lúdico, ocioso e gratuito, de apreender e lembrar, viver e lembrar, jogo mnemônico.

Como formas exacerbadas de lirismo, o mágico e o lúdico podem sustentar apropriações que encareçam possibilidades do número sete, que teogonias antigas celebraram em Hermes, Chakmol, Exu ou que nome tenham dado a esse tipo de mensageiro, intermediário entre os homens e os deuses, entre o mundo e o infra mundo. É o condutor da palavra de um mundo a outro mundo, dos vivos aos mortos, das trevas subterrâneas às altas fontes de luz, da eternidade que passou para a que ainda escorrega nas ampulhetas, muito acima e além de quaisquer determinismos vãos ou mesmo totalmente plenos, tal qual, em seu dia sétimo, uma lua de Semana Santa.

Chegada a hora de lembrar, seqüências banais, palavras, expandem-se feito cachos maduros na parra e, um pouco, então, é como naquele “tempo de colher” que refere o Eclesiastes. A gente colhe uma aqui, outra ali, uma frase, um verso, ou apenas recupera a nota de leitura exatamente como foi anotada. A magia, ou o lirismo, emerge em desígnio caprichoso do número 7, que se desdobra em fragmentos caóticos em busca de compreensão. Ah, o prazer dionisíaco da vindima!

Materializam-se a conversa possível entre um caboclo e a mula que cavalga, embora não alcance, não por culpa da besta ou do cavaleiro, as alturas de um diálogo de Juan Ramón com seu burrinho Platero, um breve romance de cordel,  reminiscências de bordel, alguma de Isaías, outra do Livro das Revelações... Vêm com o 7, às vezes, um soneto de Gôngora, um de Camões, versos de Rubén Dario, de Geir Campos,  Murilo Mendes, Stecchetti e, de repente, eleva-se um espírito a uma discreta contemplação do firmamento estrelado. (nm)

(I) À sombra de Sephirot

A Árvore da Vida esparge eflúvios sobre a Cabala. Recolhem-nos os ramos ávidos de Iggdrasil, alimento de Hatrun e benfazeja sombra para ases e guerreiros nórdicos. É quando a Estrela Polar e o Nascente se tocam por uns momentos breves de devaneio que homens bons não ousam perturbar com indagações tolas nem perplexidade demais. Com seus sete faróis acesos, a Pequena Ursa indica ao cauto nauta as frias regiões setentrionais que o vento Norte, ao mesmo tempo em que fustiga, protege de profanações dos não iniciados.     

O Sétimo Ramo da Grande Árvore, Netzach, a Sétima Sephirat, descobre-se na imagem inocente de Eva ostentando a espada do arcanjo Haniel, libertadora do instinto puro e de toda paixão genuína. E anunciadora da Vitória conquistada na batalha.

A Rosa da Intuição e do Desejo, vale dizer, da percepção direta da verdade, dispensa, por divina, intermediações onerosas, deixando ao largo as minguadas possibilidades do só imaginar. Por seu turno, desejo é anseio, necessidade, o que faz a serpente andar. E o Sétimo Caminho, no final das contas, é o da Inteligência Oculta.

O número Sete, cardinal dos conjuntos equivalentes a um conjunto de sete membros, pertence à ideia da perfeição e, como nenhum outro, carrega a sugestão da Divindade. Tanto pela ideia em si, quanto pelo perfeito que encarece, Platão o declara o número bem-amado de Deus, desamparando, porém, de toda possibilidade de compreensão esse torvelinho da emoção absoluta.

Desde a Rua Antônio de Albuquerque, entre Levindo Lopes e Sergipe, Savassi, Belô, eleva copa magnífica gigantesco pau mulato (Calycophyllum spruceanum), dando a impressão de pretender alcançar prados luminosos da constelação do Touro, Aldebarã, Aldebarã! Parece ambição demais, mesmo para árvore tão alta, mas, se ela nem se importa, apenas variando os encantados tons metálicos do tronco esguio e elegante ao sabor das estações! Lá em cima ostenta o diadema de puro verdor que a qualifica como potestade vegetal. Suave epifania, sua presença na Savassi, de alguma forma materializa poderosa entidade protetora da cidade, como um grande totem: avatar da Árvore do Conhecimento, manifestação universal da Árvore da Vida? (nm)

(II) Patuá do Caboclo Sete-Flechas

“Vou andando em desamparo, sem canivete ou baralho nem rosário. Amuleto de fechar ao frio, à chuva e a pontas de flecha, a facas, balas, a olho gordo etc. o corpo, deixei no colo perfumado de uma moça gentil que me estendeu os braços lânguidos em noite de morna solidão. Prata baça de zinabre, madeira escura: era assim o patuá, mas foi-lhe grato aos olhos mansos, verdosos e, quem sabe, ao seu meigo coração.

Embora só encarecesse por bravata e picardia as talismânicas virtudes, já havia tocado recônditos de sombra em sua alma de mulher. Com ares de fingida ausência ela perguntou se não funcionariam, digamos, contraceptivamente.

Não falei sim nem que não, que é melindrosa a questão e, em campo assim, precário, juízo de varão é falho. Ia eu lá responder missa em femininas paróquias! Achasse as certezas próprias por sua própria conta e risco”. (nm)

#####################

(Continua na próxima quinta-feira)

14 comentários:

  1. Querido Nilseu:
    He pasado un largo y muy buen rato leyendo tu blog, y casi no puedo creer que haya pasado más de un año desde la última vez que entré aquí, en noviembre de 2022. Pero así es, y por eso ni siquiera había leído el hermoso texto que escribiste en homenaje a Ismael, que ahora he visto y me ha emocionado. He disfrutado también leyendo todo lo demás y me alegro de que hayas decidido publicar también aquí uno de tus libros Edições Clube do Livro Aberto. Yo tengo la suerte de poseer tres joyas, en papel, de tan exclusiva editorial: Liricos e Anacreônticos, Viva o Grande Pã, y Brevidades. Pero bienvenida sea la edición digital, que permitirá al mundo conocer tu Heptaédricas.
    Muito obrigada e muitos beijos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida Maria Luísa: Que alegria a sua presença neste O&B! Você sempre alenta o blog com palavras generosas. Seu comentário, só, é suficiente para que o blogueiro persevere com essa ideia de um folhetim que qualquer dos irmãos Karamazov haveria de estranhar. Não é para ser tomado a sério pois, afinal, é brincadeira mesmo.

      Excluir
  2. Bravo Nilseu! Como é prazeroso ler o seu blog Ociosidade & Bagatelas. Brilhante!

    Marcus Vinícius

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ô, Marcus Vinicius: Obrigado por sua presença aqui em O&B. Seja vem vindo.

      Excluir
  3. Caro Nilseu,
    no post anterior dessas Ociosidades & Bagatelas, li leitores cobrando de você a publicação de um livro. Vejo que atendeu, publicando aqui um livro antigo com apenas sete exemplares impressos. Um número mágico, está explicado, mas que resultou, provavelmente, em benefício de poucos leitores. Eis aí uma oportunidade de aumentar esse número, toda quinta-feira. Parabéns.
    José de Castro

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caríssimo Zé:
      Mais uma vez, você alegra e enriquece este O&B com palavras generosas estimuladoras. Obrigado.

      Excluir
  4. Nilseu: exercite seu talento e experiência, raros e oportunos.Felicidades.

    Mauro Werema

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ô, Mauro, mais uma vez, obrigado por sua visita a este O&B e ´pelo comentário generoso

      Excluir
  5. Grande Nil. Estou em terras portuguesas. Na segunda tem encontro lá do Bar do João. Só volto no dia 22... enquanto isso acompanho o "folhetim".

    Pantera

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ô, Panther: Sua ausência será muito lamentada na tertúlia da próxima segunda no Bar do João. Mas você merece o bordejo por Lisboa, Porto, Cascais e o que mais. Quanto ao folhetim, quinta-feira tem mais. Grande abraço

      Excluir
  6. Caro Nilseu,

    Parabéns e obrigado por publicar no O&B, em forma de folhetim, o seu livro.
    Fiquei feliz quando li a ode ao Pau Mulato da Antônio de Albuquerque. Quando passo na calçada do Manhattan ele me impressiona pela altivez e resistência à "selva de pedra" que o envolve. Sua elegância e beleza merecem encontrar a sua poética. Sorte nossa contar com dois gigantes, a árvore e o poeta, nos encantos da Savassi. Aguardo as novas postagens.

    Grande abraço,

    Daniel.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ô, Daniel: Sua falta de isenção para falar dos amigos é comovente. Mas, obrigado assim mesmo. A semana que vem tem mais. Grande abraço.

      Excluir
  7. Caro Nilseu,
    É sempre bom, muito bom, reencontrá-lo. Seus amigos e admiradores se alegram toda vez que você dá as caras.
    Um saudoso abraço.

    Ariosto

    ResponderExcluir