quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

O dia sétimo

(III) Depois de criada a luz e de separada das trevas; da criação da terra, do céu, aves e estrelas; de criados o Homem e sua Companheira e o que vive no mundo, foi o dia sétimo (Genesis), ou o primeiro, a contar do momento em que tudo ficou pronto. Pode-se imaginar, ainda que por diversão, que a Criação, de fato, teria sido principalmente a criação do movimento, porque, desde que se cumpriu, o mundo não parou de girar nem o homem jamais ficou quieto.

(...) porque o Senhor fez em seis dias o Céu e a Terra e no sétimo descansou (...) trabalhareis seis dias, mas o dia sétimo‚ o sábado é o do descanso consagrado ao Senhor. O ano sétimo é o sábado da terra, que em seu transcurso não será semeada nem ceifada nem a vinha será podada. O ano seguinte ao sétimo ano sabático, conforme foi prescrito no Sinai a Moisés e ao seu povo, é o do Jubileu, para publicação do perdão das dívidas e de Liberdade para todos sobre a terra. (Levítico)

É a mais generosa das prescrições ao Profeta.

(IV) Sonhos

Uma, duas, três vaquinhas... quatro, cinco, seis...  em cada sonho de Faraó, sete vaquinhas. No primeiro sonho, luzidias, pingues, felizes, no segundo, esqueléticas, esquálidas, tristes. Conforme está escrito no Livro, havia sete vaquinhas em cada sonho de Faraó (Genesis)...

José (*), casto filho de Jacó e da serrana Raquel, Champollion do onírico, decifrava os hieróglifos dos sonhos de Faraó: sete anos de fartura, outros tantos de amargura, seca, seca, seca, escassez sem fim, quanta fome, meu Deus do céu! Porém, um pacto com Jeová, seu Deus e sua boa estrela, não permitia que traduzisse as lúbricas fantasias da mulher de Putifar, Zenóbia pérfida e bela...

(*) Remissões, interações, reciprocidades: a mesma história ou o mesmo sonho estarem contados em outro Livro antigo apenas os sublima, também quando o poeta Mahmoud Dardwich (**), amado das Musas, interage com uma “sura” corânica para contextualizar: Eu sou José, meu pai. O que eu fiz, meu pai, e por que eu? Você me chamou de José e eles me empurraram no poço, e culparam o lobo, mas o lobo é mais complacente comigo do que meus irmãos... Cananeu, no poema “Onze astros no último céu andaluzino”, lamenta o desterro da Palestina, mas também o de Granada: “Sou o Adão de dois paraísos que perdi pela segunda vez. // Então expulsem-me devagar // e matem-me rápido. // Debaixo da minha oliveira. // Com Lorca”.

(**) “Onze Astros”, tradução de Michel Sleiman - Editora Tabla

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Continua na próxima quarta-feira. De Cinzas?

Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverterisMaior de setenta anos, cara rosada, cabelos brancos de algodão, lentes grossas numa armadura de tartaruga, perdida a oportunidade de saber como é que aquele holandês achou de virar pároco nos confins do Sudoeste de Minas, resta lembrar o padre Geraldo van Keke com simpatia. A advertência, tremenda, ao proceder à imposição das cinzas nessas endoenças não assustava ninguém, menos pela língua incompreensível do que pelo tom benigno com que a pronunciava. O padre Geraldo tinha o semblante sempre sério e quase triste em seu desterro. Mas gostava demais dos pequenos circos que apareciam por ali de vez em quando e não perdia espetáculo. Sentado na primeira fila, batina preta, chapéu redondo com uma espécie de borla achatada no alto, coisa de padre, aplaudia com entusiasmo palhaços, trapezistas, mágicos, malabaristas, a cada apresentação. E ria, ria muito, ria com gosto. Era o suficiente para que os meninos da aldeia o reconhecessem “como um dos nossos”.

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