quarta-feira, 1 de maio de 2024

Nas voltas do Mundo, o sempre possível reencontro

(XVI)
Adrasto, Polinice, Tideu, Anfiarau, Capaneu, Partenopeu e Hipomedonte, os sete contra Tebas e o usurpado poder de Etéocles. Podiam ter sido oito, seis, ou quantos fossem. Mas na conta dos cantores dos feitos dos guerreiros de Argos – Ésquilo o confirma – sete chefes ergueram suas lanças contra as muralhas de Tebas, um para cada porta da cidade: na sétima, irmão contra irmão.

Não venceram, mas assim é a guerra e, de qualquer modo, vitória é flor que murcha e seca muito depressa: só do lutar a flor não cessa. Epígonos assediaram com sucesso as mesmas pedras, pagando tributo oneroso ao impiedoso Ares. Duas gerações de argivos contra orgulhosos tebanos provaram só que Alegria não faz séquito à Glória: lutar, lutar, sempre lutar. Vencer, às vezes vencer, depois chorar.


Samurais e caubóis

Sete também são os samurais (Shichinin No Samurai) de Akira Kurosawa, mas quem, entre tanto japonês, lembrar-se-ia de seus nomes complicados, à exceção, talvez, de Toshiro Mifune? Se o filme, belíssimo, replica no Oriente ritmos e padrões de composição e imagem que Kurosawa sempre admirou nas obras de John Ford e John Houston, outro John (Sturges), fez a tréplica, transpondo de novo para o Ocidente, mais precisamente para um cenário mexicano de western, a saga dos guerreiros japoneses no inesquecível épico Sete Homens e um Destino. Em seu filme, Yul Brynner, James Coburn, Steve McQueen, Robert Vaughn, Charles Bronson, Horst Buchhole, Brad Dexter.

É como se esse filme realizasse a metáfora de Ouroboros mordendo a própria cauda, numa exaltação lírica da ideia de infinitude. O círculo posto em movimento confunde convenções precárias, fátuas noções de limites: onde termina o Ocidente, onde o Oriente principia, se toda hora é a hora do Ocaso e, afinal, não é Aurora cada hora? O entrelaçamento de culturas é como uma imensa brincadeira de roda em que homens e mulheres, enquanto vão girando, girando, produzem reverberações luminosas que catalisam as possibilidades mais furtivas do sem fim.

Como a Quetzacoatl dos Toltecas e dos Maias, o Midgardsormr dos Vikings, Vritra, do Mahabarata, a Hidra dos cantos homéricos, o Leviatã do Livro de Isaías, ou como quer que se queira chamá-la, a Grande Serpente que fecunda a aurora dos tempos e inaugura a História espoja-se em seu leito de espumas no Mar Imenso. Ela recebe, como piedosa oferenda, colar tão brilhante quanto o Brisingamen que enfeita o colo da recatada Freya e compraz-se em seu esplendor. Meio-Dia e Setentrião confundem-se nas grandes águas, também o Leste e o Oeste; os Tempos encontram-se em arrebatados instantes, perturbando as noções intrinsecamente vagas do princípio e do fim. No que concerne a ovo e galinha, ocioso é indagar precedência, como talvez já tenha advertido Zaratustra. (nm)

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Continua na próxima quarta-feira

4 comentários:

  1. Pier Giorgio Senesi1 de maio de 2024 às 15:41

    3 Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus tinha feito. Gênesis.

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    1. E isso aí, Pier. Viva a serpente! Obrigado, mais uma vez, por sua visita a este O&B.

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  2. Sorte de quem lê Ociosidades & Bagatelas, preciosidades históricas, folclóricas e similares, com o talento desse escriba valoroso.

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    1. Ô, Fabbrini:
      Seu comentário deixa o blogueiro troncho de vaidade.

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